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Mostrando postagens de 2017

ATÉ QUE A MORTE OS UNA

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  O Inverno já se fora, assim como o caminho e, o que agora percorre, está bem longe das montanhas e vales que o pariram, criaram na juventude e o consumiram. A calosidade das feridas mantêm-no alerta para as suas origens, e Manuel caminha agora, distraidamente pela rua, mas calçado, de ténis confortáveis, roupa desportiva, e disposto a viver e a saborear novos odores, bem diferentes daqueles que, no passado, inalou. Não tem aqui o cheiro a rosmaninho ou alfazema, nem dos pinheiros, ou dos eucaliptos; apenas um vazio salpicado de pontos verdes que parecem destoar da paisagem urbana que agora desfruta. As pequenas árvores salpicadas por traços no seu novo caminho até parecem que se escondem nas esquinas do amontoado de casas, e mais casas, que se perfilam lado a lado, a seu lado, sem nenhum critério estético definido.   A Primavera, em toda a sua plenitude, sobrevoa-lhe o horizonte, embora esteja no outono da sua História e que lhe pesa na essência do que é hoje. “Os anos,

SILÊNCIO ENSURDECEDOR

A manhã estava soalheira, mas fresca. O verão ficara lá atrás e o outono ia agora ao lado, tal como rio. Espelhado de céu salpicado de nuvens brancas dispersas e que voavam comigo, mergulhei meu olhar taciturno nesse indefinido horizonte aguado. A determinação arrancara-me da cama e a necessidade do desafio físico presente, fazia-me todo o sentido. Acompanhado, estava só. Pela frente um caminho pedonal tapetado, ora de calçada, ora de cimento colorido para percorrer. Normalmente o diálogo projecta-nos para outros caminhos e os passos perdem-se em aventuras por desbravar. Ou os assuntos da actualidade preenchem-nos os minutos e estes passam em passos largos. É bom, salutar e agradável. Mas nesta estranha manhã tudo pareceu diferente entre ele e ela. E o ruído do silêncio foi ensurdecedor. Foram quatro quilómetros de deserto em palavras engolidas em seco. Como se tivessem tudo para dizer e nada. Percorridos os primeiros cinquenta metros, procuro fazer o que sempre faço: des

CARTAS DE AMOR

  Querida Maria Bom dia, meu amor. Espero que esta carta te vá encontrar de boa saúde e que estejas de bem contigo mesma. Quanto a mim, cá estou na minha pacata vida, longe de ti, mas sempre contigo no meu coração. A distância que nos separa hoje deixa—me marcas todos os dias, porque me deito e acordo contigo na cabeça, sempre a pensar em ti; e como isso me magoa o coração... Não é fácil saber—te aí e eu aqui, com uma necessidade enorme de te sentir, abraçar e beijar. ... Mas o destino assim quis e vou aceitar este momento como uma prova de resistência ao nosso amor, à nossa paixão, à nossa loucura. Lembras—te como foi linda a forma como nos conhecemos? Tu à janela e eu disse—te que eras linda. Sorriste—me, envergonhada, e baixaste os olhos em sinal de de confirmação. Desde esse dia passei a ir ver—te todos os dias, nem que fosse apenas para descortinar a tua sombra e sentia—me feliz, só por isso. Disse—te que te amava, que era um dos dez homens mais felizes do mundo e as sensa

PALAVRA

  Palavra dita em clamor Tantas vezes mal tratada Há uma que elejo: AMOR Palavra abençoada.    

COM OU SEM MAR

Quero ouvir os pardais, as gaivotas, observar o oceano a beijar as margens; quero sentir as aragens, e também ouvir tua voz. Sentir o teu cheiro, tua essência perdida nesta concha de noz. Navego à tua procura: Escondes-te e não estás. Rejeitas-me, ignoras-me, ou não sou capaz.   Quero fazer poesia, cantar, dançar com mestria; como uma flor a abrir, erguer-me para o teu abraço; mas nem me deixas sorrir; Sobra-me o cansaço.   Fecho-me, triste, derreado na minha concha embrulhado. Cubro-me com um lençol de vergonha amarrotado. Choro uma mágoa da qual me quero libertar, triste por te amar, sem me cansar. Mas dói-me e tenho medo: dos trovões e das farpas — credo! Dos zumbidos do vento que ecoam pelo espaço. E no dilúvio das vagas que me enrolam no cansaço contra as rochas me tragas.

MEMÓRIAS 2015 (2º SEMESTRE)

Terça-feira, 14 de Julho de 2015 (Torre da Marinha, 21:56h) “Obrigado, meu Deus” E vai tudo correr bem. Não há nada que nos impeça de sermos felizes. Porque é isso que eu quero, é isso que eu desejo, é isso que eu mereço, é isso que eu procuro transmitir aos outros. E a vida acontece. Acordamos, sentimo-nos gratos e vamos em busca, não dos silêncios, mas dos sons que brotam à nossa volta e nos despertam. E são muitos, vindos de todas as direcções, que captamos e gerimos como quem usa colheres que manuseamos e transportamos até à alma. São imensas as sensações e todas boas. Vamos trilhando o caminho e descobrindo cada local, cada momento, como o lugar certo para se estar. E até conseguimos controlar tudo, como se fossemos um super-homem, mas sem capa. Há sorrisos, despertamos prazer. Há luz, sol, calor e até somos um forno a aquecer tudo o que está frio. Somos a paz dentro de uma guerra, somos a flor num jardim palaciano, o anjo da guarda de alguém que protegemos, a tranquilida

MEMÓRIAS 2015 (1º SEMESTRE)

Segunda-feira, 16 de Março de 2015 (Torre da Marinha, 21:40h) “Partilhando com ratos” É impressionante andarmos aqui nós tão preocupados com a nossa “vidinha” e com as condições que temos nela e, afinal, há gente a viver debaixo da ponte. Gente, como nós, que sem nada que lhes permita viver condignamente, são os caixotes do lixo o seu supermercado e simultaneamente o seu sustento. E é confrangedor ver de tão perto como certas pessoas sobrevivem à vida. São imagens como estas que nos tocam e fazem reflectir sobre o que somos e o que temos. Por isso não me queixo, e digo, sentindo, que sou um homem privilegiado. Nem se percebe como as pessoas se lamentam tanto e acham que as suas vidas são difíceis. Havendo pessoas, mesmo ao nosso lado, a partilharem o seu espaço com ratos à volta e que com eles vivem “portas meias”, vamos queixar-nos do quê? Há um rio que desagua no mar, comboios que os trucidam a todos os momentos, carros que velozmente lhes atropelam, ruidosamente, os ouvidos e