MEMÓRIAS 2015 (1º SEMESTRE)
Segunda-feira, 16 de Março de 2015 (Torre da Marinha, 21:40h)
“Partilhando com ratos”
É impressionante andarmos aqui nós tão preocupados com a
nossa “vidinha” e com as condições que temos nela e, afinal, há gente a viver
debaixo da ponte. Gente, como nós, que sem nada que lhes permita viver
condignamente, são os caixotes do lixo o seu supermercado e simultaneamente o
seu sustento. E é confrangedor ver de tão perto como certas pessoas sobrevivem
à vida. São imagens como estas que nos tocam e fazem reflectir sobre o que
somos e o que temos. Por isso não me queixo, e digo, sentindo, que sou um homem
privilegiado. Nem se percebe como as pessoas se lamentam tanto e acham que as
suas vidas são difíceis. Havendo pessoas, mesmo ao nosso lado, a partilharem o
seu espaço com ratos à volta e que com eles vivem “portas meias”, vamos
queixar-nos do quê? Há um rio que desagua no mar, comboios que os trucidam a
todos os momentos, carros que velozmente lhes atropelam, ruidosamente, os
ouvidos em zumbidos que já fazem parte da sua existência. Dói só de ver, quanto
mais sentir. Passar ali uma só noite já seria um pesadelo; imagine-se uma vida.
Uma noite que fosse, seria uma tragédia, uma experiência alucinante que nos
mataria de uma só vez. Entretanto, nós vamo-nos perdendo na nossa “vidinha”, em
sonhos que gostaríamos de ver realizados, no aconchego do nosso canto..
“Debaixo da ponte”, frase tantas vezes repetida para dizer quanta miséria ela
encerra é, na verdade, para alguém tão humano quanto nós, literalmente uma
realidade social para quem a vida foi madrasta e que a vivencia todos os dias.
Por isso, quando ouvirmos alguém se queixar de que a sua vida é má e difícil é
dizermos que vá até à Cruz Quebrada e espreite para debaixo da ponte e
imagine-se a viver ali.
Carlos Alberto
Terça-feira, 31 de Março de 2015 (Torre da Marinha, 20:12h)
“Com as mãos no fogo”
Não sei o que vai acontecer a partir daqui, mas como eu
acredito no destino, será o que tiver que acontecer. A vida está cheia de
surpresas, surgem-nos em cada esquina, e a questão está em sabermos como lidar
com elas. Podemos não lhes dar a melhor solução, mas haverá, com certeza, uma,
e ela será a resposta certa ao desafio a que nos propusemos. E, na verdade, eu
nem sei do que estou à procura. Aliás, como tenho sempre dito “não sei o que
quero; só sei o que não quero”. Mas a solução é eu deixar fazer com que o “destino”
me leve para aonde eu tiver que ir. Não estou muito seguro de mim, nem sequer sei
se estou a agir bem ou mal, de forma correcta, ou não. Portanto, vou apenas
seguir o meu instinto, acreditar nas minhas intuições. Também não sei sequer
porque o faço e porque procuro o desafio. Mas sei que vou entender tudo quando lá
chegar. Talvez comece por levar uma tareia e acabe estendido na lama, mas é o
meu propósito, sou eu que só sei ser assim. Abrem-se as portas e eu entro. E
neste caso nem peço para entrar, eu entro sem sequer pedir licença. E é isso
que me preocupa e aflige. Porque me considero um homem honesto. E vou ter que
continuar a sê-lo. E assim se abre a minha vida para um novo desafio. É apenas
um dia alegre e muito bonito de sol resplandecente. Um dia de juventude, de
partilha de sensações e bem-estar. E pergunta-se: eu atrapalho? Não sei nem
quero saber. Eu entro e nem é pela porta. Eu forço até a janela, de forma
brusca, abrupta, intempestiva. Sem olhar a meios ou fechaduras, trancas ou o
que quer que se intrometa pelo meio, não há entraves ou obstáculos que, no
momento da minha decisão de derrubá-los deixam logo de o ser, sem medos, sem
contemplações, sem olhar para as consequências. Dentro ou fora, quero lá saber.
Este sou eu, em toda a minha irreverência, quando te cubro com o meu amor.
Carlos Alberto
Quarta-feira, 1 de Abril de 2015 (Torre da Marinha, 02/04 03:19h)
“Bora lá...”
Uma noite longa até que o sono nos separasse. E a noite
chegou, de mansinho, como quem chama para a cama e, prego a fundo que se faz
tarde, estrada fora com quem foge do destino e, pronto, já era. A luz finou-se.
Num repente as velas acesas apagaram-se, num sinal de vento que não houve, num
sol que se inundou e a luz, esfumando-se, desapareceu. Era um sonho?. Alguém
estendeu um tapete para subirmos as escadas que nos levariam ao céu, mas, meu
Deus, que caminhos queres que eu percorra? Fui então, a correr, atrás do teu
chamamento e encontrei-me na rua do meu desespero. A loucura, de repente, apoderou-se
de mim. Envolveste-me num suspiro e perdi-me na escalada ofegante da conquista de
um castelo de ameias recortadas, numa torre que não tinha uma princesa, mas
apenas uma mulher. Sonhámos com castelos, entrámos incógnitos por janelas, mas
até havia portas abertas para entrarmos. Lisboa, fui atrás de ti, montado, a
galope, em meu cavalo de vento e esbarrei nos meus próprios preconceitos que me
afectam. Há palavras que deixam de fazer sentido e sentidos que percorrem as
palavras certas para expressar sentimentos. E acordamos. Estás lá na ilusão do
que sentimos, na paixão do que fomos e somos. Perdidos em insondáveis
labirintos, conseguimos encontrar-nos, com paixão, no sorriso que nos coloca no
caminho certo. A noite avança, assim irreverente, na loucura de abraços e
beijos que nos enchem o corpo. Tentamos descobrir o nosso espaço por trilhos de
atalhos em que queremos saber se é o fim do caminho ou o princípio de outro, o
certo, que procuramos encontrar. Mas vamos saber no momento em que o vento nos
soprar ao ouvido canções de embalar. Fico, no entanto, triste por ter tantos
defeitos, achar que é na beleza que está a perfeição e sinto-me tão estúpido
que até me magoo na escalada.
Carlos Alberto
Quinta-feira, 14 de Maio de 2015 (Torre da Marinha, 20:25h)
“Noite ou dia de sonho”
As palavras não podem ser ditas de ânimo leve porque,
carregadas de amor, podem ferir os sentimentos de quem as perscruta. Neste
contexto, os dias também não acabam nem começam porque eles são um
prolongamento de si em si mesmos. E neles se desenrolam descritivamente,
raptos, torturas, gritos e estertores. Contudo, aqui as palavras são outras e
falam do prazer escondido, proferidas em castelos inexpugnáveis que invadimos
sem termos ganho uma consciência absoluta do que conquistámos. Aparentemente
cegos, somos guiados por instintos, presos e arrastados por cordas invisíveis
que nos amarram e nos rebocam até ao mais alto dos confins do mundo. Lisboa está
a meus pés. O Tejo é também pano de fundo, enquanto as luzes da cidade,
piscando-nos na vista, vão ofuscando-nos os sentidos. Partimos então à procura
não sabemos exactamente do quê, mas também queremos muito perceber todos os
contornos das linhas do horizonte colocadas diante de nós. Por fim descobrimos.
Há foguetes no ar, explosões de cores em todas as direcções, depois a noite ou
o dia – já não sabemos – avança. E o reboliço é intenso pelo chão, em
alternativa ao conforto do maple ali mesmo ao lado. Mas é o duro chão que nos
acolhe no abraço, no grito – na noite ou no dia que não acaba e começa – a
nudez, o gosto, o gozo, o desejo, os gritos abafados, o outro, a vontade... que
se contém. Hirto na determinação, a envolvência não se encaixa e esbarra no
pretexto da falta de protecção e segurança das alturas. Assim, restam mãos
ciosas tacteando entranhas que percorrem colinas. Bocas que desfolham florestas
húmidas e as carregam de beijos. Gestos e armas que aguilhoando muralhas fazem desprender
sinos que estridentemente ecoam e se fazem ouvir. Acordamos então para
adormecer no cansaço. A manhã já era. É o sol agora na paisagem. Há automóveis
na estrada enquanto saboreamos um prazer que ainda nos envolve. A descoberta de
todas as curvas, o quarto de paredes forrados de mensagens carregadas de
energia que nos engole. Os segredos contados e revelados ao ouvido. Os corpos
nus em sonhos feitos em pedaços reais. Ainda o cheiro, o gosto saboroso da
fruta que deglutimos. É assim a paixão de uma noite – ou dia – de sonho.
Carlos Alberto
Sexta-feira, 19 de Junho de 2015 (Torre da Marinha, 20/06 01:05h)
“Gosto muito de vocês”
Sentei-me. Fechei os olhos olhando para trás e pensei: “tenho
de ser diferente e dizer algo de diferente”. Eu não posso continuar a cair na
tentação do facilitismo e de ir sempre pelo caminho mais fácil. Sim, quero
crescer e estou a crescer, mas tenho que eliminar as ervas daninhas à minha
volta. É verdade, também já não sou o mesmo homem de ontem, do meu passado. Sim,
ainda choro, mas não pelas mesmas razões. Agradeço a Deus ou ao Universo tudo o
que vivi e sofri, mas sem angústia. Sou hoje uma melhor pessoa e, curioso,
muito mais feliz do que seria suposto. A vida hoje para mim acaba por ser
aquilo que eu sempre desejei que fosse. Era exactamente assim que eu me imaginava
viver e nem sabia. Acabei de aperceber-me que, afinal, sou hoje aquilo que
sempre desejei ser. Um homem livre, que faz as suas escolhas (aparentes) e que
segue o caminho ou caminhos que quer. Não preciso de ser prepotente, não preciso
de impôr nada, nem de me insinuar a ninguém. Tudo o que é bom vem ter comigo, e
eu só penso naquilo que me dá felicidade. E uma das conclusões a que chego é
que não ser de ninguém é hoje um dos meus maiores bens e não me aflijo nada com
aquilo que não tenho ou não é meu. Considero-me também um homem abençoado e
muito feliz com o que me rodeia. A solidão não é meu lema e estar só hoje –
quando sozinho – é apenas minha opção. Porque quero ser eu a decidir se saio, e
quando saio de casa, daqui ou dali. Porque sou eu que decido se como carne ou
peixe, se me apetece ou não; porque sou eu que decido se é bom ou mau para mim
e sou eu que escolho quem quero para ser meu amigo e isto basta-me. E, de
facto, tenho hoje vários amigos e amigas graças a essa minha liberdade de
escolha. Por isso posso dizer e quero dizer que gosto muito de ti Victória,
gosto muito de ti Cristina, gosto muito de ti Sónia e gosto muito da gente que
gosta de mim, nomeadamente, de ti que acabaste de ler esta página agora.
Carlos Alberto
PS: Estes resumos fazem parte de transcrições das páginas manuscritas
do meu Diário que embora estejam já lá para trás no tempo, valem hoje o que
valem.
Entretanto, e porque fiz várias alterações pontuais neles, a minha
opção actualmente é “enaltecer esses textos escritos” e assim, com essas pinceladas,
pretender apenas dar algum carácter literário e mais apelativo.
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