SILÊNCIO ENSURDECEDOR


A manhã estava soalheira, mas fresca. O verão ficara lá atrás e o outono ia agora ao lado, tal como rio. Espelhado de céu salpicado de nuvens brancas dispersas e que voavam comigo, mergulhei meu olhar taciturno nesse indefinido horizonte aguado. A determinação arrancara-me da cama e a necessidade do desafio físico presente, fazia-me todo o sentido. Acompanhado, estava só.
Pela frente um caminho pedonal tapetado, ora de calçada, ora de cimento colorido para percorrer. Normalmente o diálogo projecta-nos para outros caminhos e os passos perdem-se em aventuras por desbravar. Ou os assuntos da actualidade preenchem-nos os minutos e estes passam em passos largos. É bom, salutar e agradável.
Mas nesta estranha manhã tudo pareceu diferente entre ele e ela. E o ruído do silêncio foi ensurdecedor. Foram quatro quilómetros de deserto em palavras engolidas em seco. Como se tivessem tudo para dizer e nada.
Percorridos os primeiros cinquenta metros, procuro fazer o que sempre faço: despoletar um assunto:
– Finalmente a chuva, agora que tudo ardeu por aí...
Apenas ouvi o silêncio.
Dez minutos depois ouço:
– Gostaste da açorda de camarão ou deitaste fora?
Aludia a um tupperware que me dera na véspera com aquele petisco.
A minha resposta, na linha do que me é habitual foi:
– Deitei fora.  
Na verdade não havia sequer comido. Mas perante tanto silêncio, não me apeteceu responder de outra forma. Ainda admiti que a conversa podia ter sido alimentada por “deitaste fora porque não gostaste ou porque foi? ...
Não, nada. O assunto morreu ali prostrado no vómito, no grito para dentro, no desespero de quem quer parar e tem que andar.
Os passos prosseguiram, as pernas agiram, a cabeça olhou em volta tentando perceber o vento, as folhas, o chão, a manhã, a razão, se o tempo era bom ou mau...
Não se comentou o atarefado trânsito de automóveis na estrada, ou o pato que vive no rio no seu palanque de madeira – à espera de quem o alimenta a pão – ou dos barcos que servem as duas margens ou sequer do tapete de relva nas novas zonas verdes que por aqui cresceram e que alegram este espaço lúdico que usufruímos.
Mas a sua boca não se abriu mais e a minha também não.
Ficou a caminhada de um tempo aparentemente perdido, consumido em pensamentos que ecoam agora por aqui, mas que servem para aferirmos o que somos, cada um de nós, com nossas legítimas razões e que amanhã entenderemos.
Não falei porque não me apeteceu. Escrevi aqui porque quero e me apeteceu.
Cada um tem aquilo que merece. E eu mereço o que tenho e estou grato.
 
Carlos Alberto

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