MEMÓRIAS 2015 (2º SEMESTRE)

Terça-feira, 14 de Julho de 2015 (Torre da Marinha, 21:56h)

“Obrigado, meu Deus”
E vai tudo correr bem. Não há nada que nos impeça de sermos felizes. Porque é isso que eu quero, é isso que eu desejo, é isso que eu mereço, é isso que eu procuro transmitir aos outros. E a vida acontece. Acordamos, sentimo-nos gratos e vamos em busca, não dos silêncios, mas dos sons que brotam à nossa volta e nos despertam. E são muitos, vindos de todas as direcções, que captamos e gerimos como quem usa colheres que manuseamos e transportamos até à alma. São imensas as sensações e todas boas. Vamos trilhando o caminho e descobrindo cada local, cada momento, como o lugar certo para se estar. E até conseguimos controlar tudo, como se fossemos um super-homem, mas sem capa. Há sorrisos, despertamos prazer. Há luz, sol, calor e até somos um forno a aquecer tudo o que está frio. Somos a paz dentro de uma guerra, somos a flor num jardim palaciano, o anjo da guarda de alguém que protegemos, a tranquilidade ou a fonte de harmonia entre o conhecimento e a sabedoria que nos envolve. Espanto-me, no entanto, é com a importância que me é dada e deslumbro-me na essência em que me transformam. Serei eu assim o homem tão especial, o líder, o ídolo que as pessoas tanto procuram? Eu só quero mesmo é ser uma boa pessoa e alguém reconhecido apenas como “boa pessoa” e mais nada.  Porque, como ser humano, considero-me uma pessoa como as outras, com imensos defeitos, nomeadamente, um pervertido, um louco, um tarado, alguém capaz de tudo e disposto a tudo. Quem me conhece a fundo sabe do que estou a falar. Se sou feliz assim sendo assim? Sou e muito. Inteiramente amado por muitas pessoas, amando como amo a vida e as pessoas, isso faz de mim o homem que sou e dá-me um conforto enorme. Resta dizer, aquilo que pronuncio diariamente: obrigado, meu Deus.

Carlos Alberto                             


Sexta-feira, 02 de Outubro de 2015 (Torre da Marinha, 22:31h)
“Amor para toda a vida”

O mais importante está aqui. Tenho tudo o que preciso: o sangue, o ar que respiro, a luz, o espaço, o sentido da vida. Ouço o seu respirar, o sorriso, a voz, sinto a presença, a vibração, a alegria, e basta-me. Ela fala, fala, está perfeita, completa, harmonizada. Fala da sua terra, das suas origens, e brilha, pois claro, porque domina o lugar onde viveu dez anos e de onde é natural. E é este prazer insubstituível que não dispenso. A cor dos seus olhos, a expressão corporal, a elegância da sua presença e o que manifesta, está tudo nela. Está tudo aqui. Sei, no entanto, que esta é uma felicidade que me é emprestada por umas horas. Uma felicidade que partilhamos apenas por um espaço de tempo único, mas que, por agora, ambos desfrutamos. E vale a pena. É a aproximação possível, a certeza da identidade, o desfrutar das raízes que assim não secam, como que um regar, para não se perderem, num entrelaçar para o resto da vida. É o meu bebé, a minha criança, o meu amor perdido, que agora cresce na distância, que perdi para uma vivência diária, mas que continua presente no meu tempo e a evoluir: uma menina hoje feita mulher. E, nesta condição de pai, usufruo, não interessa em que normas estabelecidas, o gosto de a ter aqui. Ela está aqui e saboreio-a apenas. Não importa se é necessidade ou interesse. O que é bom é que podemos viver juntos o momento, mesmo que ela continue a falar, a falar e a falar, vivendo de forma activa e alegremente o diálogo que, efusivamente, vai manifestando ao telefone com alguém que não comigo. Em qualquer circunstância, o que destaco é que esta criança é fruto de um grande amor e será assim de um amor para toda a vida.

Carlos Alberto  

Quarta-feira, 7 de Outubro de 2015 (Torre da Marinha, 22:02h)
“Paixão perdida”

Tenho que ganhar asas, voar, sair deste colete-de-forças em que me encontro, partir para outros e novos mundos. Chega. Sinto-me preso a este barco deteriorado, amarrado ao cais, e não quero. Quero partir, sobrevoar, navegar, viver, crescer, gritar bem alto a alegria que me vai na alma e que não consigo exprimir. É o céu que está cinzento,a chuva que cai, ou uma espécie de nevoeiro ou neblina que me tolda a visão, quando o tempo, afinal, está óptimo lá fora. Vou andar. Obrigo-me a isso. Quero ouvir os pardais, as gaivotas, observar o rio a beijar as margens. Sim, também há muito lixo, resíduos da cultura de um povo, mas ignoro-o neste contexto. Quero sentir que estou bem, apenas ouvir tua voz, sentir teu cheiro que me está a faltar muitas vezes. E nem sei de quem estou a falar... Vou à tua procura, mas tu não estás para mim. Ofendes-me, rejeitas-me, ignoras os meus sentimentos. Quero fazer poesia, cantar, dançar para ti, erguer-me para o teu abraço, e, afinal, nem me deixas sorrir. Fecho-me então nessa altura, triste, na minha concha, cubro-me com um lençol da vergonha que me fazes sentir e choro uma mágoa da qual me quero libertar. É como se tivesse medo: medo dos trovões, das farpas, dos zumbidos de vento que ecoam pelo espaço, das vagas que me enrolam e atiram contra as rochas. Estou sozinho e castigas-me como se castiga uma criança. Prometeste-me que me deixavas ver televisão, se eu me portasse bem, e depois não me deixaste ver. Ofereceste-me um rebuçado, mas não o descascaste e eu não sei fazê-lo sozinho. Gostava de te sentir e tu não queres. Queria tocar-te, abraçar-te, desejar-te, mas és para mim como a lua, em fase de “nova”: apenas estás lá. A paixão foi-se, a tua, já não existe e eu estou perdido nesta estrada de curvas e contra curvas de regresso a casa sem nada dentro. É com um vazio imenso, sem esperança que encontro. Sobram os frutos que colho no caminho e que absorvo sofregamente, mas queria mais. Desejava mais, mesmo sabendo que não posso, nem está ao meu alcance. Só me resta chorar, mas como sou forte, vou mesmo tornar a sair em busca desse momento sublime de voar por cima da montanha e voltar a sorrir.
Carlos Alberto

 
Sexta-feira, 09 de Outubro de 2015 (Torre da Marinha, 10/10, 00:59h)

“Sem medo”
Subi e desci escadas. Galguei, corri, esfolei-me todo para atingir o topo. Estou lá. Exausto, sim, mas cheguei. Sorri-te, penetrei-te nesses olhos brilhantes que me fulminaram, abracei-te, quis-te, mas só te deste numa medida que é a tua e que me quiseste dar. E foi pouco, para a minha vontade. Fiquei apenas com um gosto amargo na boca, como se nem o teu cheiro tivesse sentido. Afastaste-te, fugiste e escondeste-te de ti própria. Eu falho na escrita, falho na respiração, falho em tudo porque não estamos na mesma sintonia. Mas já sirvo de amigo, de pai, e até já sou avô e, que remédio, tenho que me resignar a essa condição privilegiada de estatuto ancião. “E já gozas, meu caro”. É o rebuçado que chupo sem ter o direito de o trincar. “Chupa, querido, chupa”. Vai atrás dos interesses dos outros, enterra-te nesse desejo de quereres, mas apenas cheiras e ao longe. E é assim que vivo, partilho, consulto, sou útil e gozo nesta cadeira. Mas é apenas um gozo de quem vê um filme na tela, onde se passa tudo ao nível da ficção, porque da realidade nada. Resta, no entanto, a boa sensação de que vale a pena explorar o momento, a amizade, o filme. Entretanto, para trás ficara uma hora e picos de ginásio, em regime gratuito de experimentação que aproveitámos. Um almoço em óptima companhia de mulheres e depois imiscuído entre muitas mulheres em conversas de mulheres para mulheres. Também cartas e mais números com tarot à mistura e mais mulheres fáceis e difíceis, amorosas ou para fugir delas. Enfim, um dia em que houve de tudo um pouco, até jantar: churrasco, como se eu fosse da família, pertencesse ao meio, com o mar ali tão perto. Abdiquei da família verdadeira, abdico de tudo por ti e, afinal, nem sequer para poder sentir o teu abraço apertado que queria. Recebes-me num tímido encontro, sem paixão e com medo enorme de qualquer envolvimento. Que pena as pessoas fugirem do medo... de se entregarem ou serem elas próprias, sem medo.

Carlos Alberto

Domingo, 29 de Novembro de 2015 (Torre da Marinha, 21:53h)
“Fotografando”

Aproveitamos o bom tempo, empunhamos a máquina fotográfica e vamos numa viagem em busca de imagens que ilustrem a nossa vida. O sol, fugidio e temperado do final da tarde, de cores amenas de um outono fresco, salpica-nos delicadamente o rosto pelo rio. Aqui a margem afagada pela ondulação na maré cheia. Do outro lado, as casas. No rio há gente em embarcações de recreio, em caiaques coloridos,­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­— remando na desportiva brincadeira de quem aproveita o tempo — dispostos na corrente das calmas águas ainda pouco cristalinas. Nesta margem um pescador, de mãos nos bolsos, olha distraidamente para as suas duas canas apontadas ao céu. E eu vou, passo a passo, descobrindo e absorvendo cada momento: as luzes, as sombras, os perfis, os contrastes, as esquinas. Pelo caminho, “encadeio-me” na lanterna apagada provinda de um barco que cruza o horizonte, esbarro na simetria cónica do coreto que se eleva para as nuvens e tropeço na apinhada fila de cadeiras arrumadas. É assim esta tarde, despida de ruídos ou aglomerações supérfluas. Há apenas gente que se passeia, de cá para lá, com cães pela trela, pessoas de idade, que a juventude, provavelmente, preferirá outros cenários. Todavia, a tarde, assim, está encantadora. Um casal, sentado num banco, em trejeitos de cumplicidade, troca carícias como se estivesse a escrever em si mesmo um tratado de amor. Alguém surge de repente e se atravessa no meu olhar, pedalando em ritmo lânguido de quem tem todo o tempo do mundo, tal como eu, que respiro e observo cada imagem, cada traço, como se fosse a última vez, numa hora de despedidas. Fotografo as casas, cada uma, como se fossem para ser demolidas. Gravo imagens dispersas como “frames” de uma história, a minha história, o meu olhar que o tempo se encarregará de preservar para sempre, se estas palavras forem capazes de sobreviver à intempérie crítica do olhar dos críticos.

Carlos Alberto

PS: Estes resumos fazem parte de transcrições das páginas manuscritas do meu Diário.
Fiz várias alterações nos textos originais.
A minha opção é, com estas modificações, “enaltecer esses escritos” e, com umas pinceladas, pretender dar-lhes algum carácter literário, tonando-os mais apelativo à literacia.

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