SENTIDOS


Saímos para a rua dispostos a viver um dia diferente. A Primavera sobrevoa-nos o horizonte em toda a sua plenitude. Sentimos no ar um clima autêntico, puro e duro, ou melhor, macio, já que uma amena lufada de ar que se faz levemente sentir sopra-nos como que segredos aos ouvidos, acariciando-nos ao mesmo tempo o rosto e de uma forma doce, meiga e reconfortante.

Caminhamos sentindo o pulsar da vida: são as crianças que brincam alegremente à nossa volta; ora gritando, ora rindo umas das outras, correndo numa e noutra direcção. O rio calmo, muito sereno e sem qualquer movimento, parece um espelho cintilante reflectindo a acalmia vinda do céu sem nuvens, enquanto um ciclista pedala compassadamente sentado ao selim usufruindo, com a velocidade, a possibilidade de chegar mais depressa.

Eu caminho sem pressa por entre as flores, o jardim, as pessoas, os automóveis que passam ao lado e as casas. Observo, sinto, inspiro e expiro com a força intensa que me é permitido pela lei da natureza humana. Sorrio para mim mesmo olhando para uma janela com meia dúzia de pares de peúgas estendidas na corda, enquanto mais à frente um homem olha o relógio e percebe que está atrasado para algo.

Eu tenho o tempo todo do mundo. Ninguém estará à minha espera quando decidir voltar para casa. E agora quero apenas usufruir dos sons, dos cheiros da maresia e dos bivalves que me chegam do rio. Quero sentir o pulsar da vida que passa por aquele meu momento de profunda e, ao mesmo tempo, descontraída emoção.

Um avião muito pequenino deixa um rasto branco no céu e por instantes assalta-me a ideia de que se valeria a pena ir nele? Regresso a mim no mesmo instante, como que atingido por um raio, quando me vejo estatelado no chão depois de, inadvertidamente, ter chocado com um poste de luz...

Não, não acabará mal a história de um passeio num lindo dia de Primavera. A cicatriz com que fiquei serve-me apenas para me lembrar todos os dias que mesmo quando tudo parece perfeito pode acontecer algo que nos fará acordar para a realidade do que somos e onde estamos. E pensar que teremos sempre de nos reerguer quando cairmos, continuarmos o nosso caminho acreditando que, apesar de não termos ninguém em casa à nossa espera, regressaremos para lá, com certeza, mais cedo ou mais tarde, com ou sem mazelas doridas.

Comentários

  1. Que maravilha de conclusões após um passeio em um lindo dia de primavera ! Adorei! abraços, tudo de bom,chica

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    1. As conclusões são sempre o mais importante, não são? rsrsrs
      Obrigado chica.

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  2. é isso meu velho, e que venham mais primaveras! PVP

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    1. Grande PVP. Espero bem que sim e já agora, verões porque gosto muito de praia. Pode ser?

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  3. Há muito que quase deixei de sonhar. Quase. Nunca espero muito para poder aguentar-me firme, venha o que vier.
    Abraço

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  4. Sonhar vale sempre a pena. É uma forma de nos mantermos "acordados" para a vida. Acreditar é meio caminho andado para chegarmos incólumes ao fim dele.

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