PÍNCAROS DA EUROPA - CAP. V


CAPÍTULO V

Oviedo, 8 de Agosto de 2012

Acordar hoje foi mais fácil... dormimos até às oito da manhã e saímos do hotel às nove. Para trás o pequeno-almoço, igual ao de ontem. Não dispensei o melão com presunto. Pode parecer disparate, mas é algo que me sabe muito bem e não abdico. Adoro presunto e aqui este produto é de altíssima qualidade e aproveito, enquanto posso.

E fui o último a chegar ao autocarro. Tive companhia à mesa do pequeno-almoço e apesar de me ter adiantado, acabei por me atrasar com a conversa. Assim, às nove e cinco estávamos a partir e já com a introdução na nossa viagem, da guia local espanhola, a Elvira, que nos vai mostrar alguns dos locais recomendados e característicos aqui da cidade de Oviedo.  

É suposto os guias falarem connosco em “portanhol”, mas de facto é em castelhano/galego que se expressam. Todavia, nessa combinação de línguas até se conseguem fazer entender bem. Pelo menos nós percebemo-los.

E saímos rumo a umas edificações históricas, no limite exterior e superior da cidade e que remontam à fundação de Oviedo, há 1200 anos atrás.

Subimos por umas ruas, através de uma zona de moradias e encontramos um parque de viaturas onde o autocarro estacionou. Saímos do autocarro e caminhamos, a pé, por um caminho a subir, de terra batida, até chegarmos a uma zona ampla de onde já se tem uma pequena panorâmica da cidade. Aqui, no meio de um amplo e descampado largo encontramos a Eglesia de Santa María del Naranco.

É um edifício pouco parecido com uma igreja tradicional. Situado numa zona isolada, é um edifício de dois pisos. Inicialmente serviu de Palácio Real para convívios e banhos e depois foi transformado em Igreja, estando hoje catalogado como tal.

Dali e depois, subimos mais um pouco e situado a cinquenta metros mais acima neste morro, encontramos um outro edifício que é a Eglesia de San Miguel de Lillo. Esta pequena construção resume-se hoje a uma pequena capela já um pouco degradada pelo seu interior e onde, em outros tempos, Rei e Rainha assistiam aos cultos.

É um edifício com muitas limitações, que se encontra encerrado e que só é visitado com marcações atempadas. Transposta a porta dupla de verga em arco desta capela, deparamo-nos com uma pequena câmara em cruz, onde mal cabem todas as cerca de trinta pessoas e onde nem é permitido fotografar. É quase um cubículo de uma nave, com paredes alta e velhas caiadas e com inscrições imperceptíveis.

Concluídas as visitas, ficámos também a saber que estes dois os edifícios pertencem ao século IX, são considerados hoje Património Mundial da Unesco e daí a sua importância nos roteiros turísticos desta cidade, assim como visitas obrigatórias para quem a visita.

Cá fora, deste ponto alto tem-se também uma interessante panorâmica de parte da cidade de Oviedo onde se inclui ao longe o Palácio de Congressos.

São 10:40h, estão 21ºC, está bom tempo e vamos já em direcção ao centro da cidade. Pelo caminho a Elvira vai dizendo-nos que “cu molhado” e “carvalhão” são termos pejorativos para os Gijones e Ovetenses, respectivamente, cuja rivalidade parece ser latente.

São agora já 14:30h e terminámos a nossa estadia aqui em Oviedo. Fiquei com muito melhor impressão desta cidade. E depois de ver o que acabei por ver, achei-a mais interessante, com mais vida e historicamente mais rica e interessante do que Gijón. De facto, desde a interessante e imponente Catedral às estátuas quase (e/ou) em tamanho real que proliferam pela cidade, Oviedo tem, efectivamente, muito mais carácter e não é comparável a Gijón. Agora percebo melhor a opção Oviedo em detrimento de Gijón neste passeio por parte da empresa promotora deste circuito turístico.

Com o passar dos dias, (e estamos já no quinto dia do passeio) vamos interagindo mais com os nossos companheiros de viagem.  Eu que não sou de muitas palavras fui-me cruzando sucessivamente com outros passageiros, trocando aqui e ali alguns comentários circunstanciais, e naturalmente, nestas abordagens também nos fomos aproximando mais.

Esta interacção gera, obviamente, empatias e simpatias, vamos descobrindo interesses e algumas afinidades, e, por fim, começamos a sentir pena por sabermos que daqui a dois dias estaremos todos em mundos e realidades completamente diferentes e tudo pertencerá ao nosso passado. E a vida é mesmo assim: tudo é efémero e se esgota de um momento para o outro.

Entretanto, com a minha mania das análises subjectivas, tento interiorizar o que vale cada um dos meus companheiros de viagem e, sumariamente, constato que o nível intelectual de grande parte das pessoas que aqui vão é muito alto, acima da média. E, de facto, nem se trata sequer de uma viagem de cariz determinantemente cultural. No entanto, a verdade é que este grupo será maioritariamente constituído por professores universitários, gestores, doutores, artistas plásticos, e… “escritores”, tudo gente muito fina (lol).

Aqui é para rir (por causa do “escritores”). Para quem não sabe e não faça a confusão que já alguém fez, “lol”, em inglês, é o acrónimo de “laughing out loud”, que à portuguesa se poderá traduzir por “rindo à gargalhada”, ou “rindo muito alto”.

Haverá de tudo um pouco, até nos sentirmos infimamente pequenos quando confrontados com simples estilos arquitectónicos de arte como o Renascentista ou o Maneirismo ou a Barroca ou outros estilos das quais pouco sabemos.

Quanto aos “escritores” – não por mim – abro aqui um parêntese para dizer que fará sentido, não sei, mas tem aqui total cabimento incluir, a saber: alguém nesta viagem – que não eu – foi empunhando, nas várias visitas guiadas que fizemos, um bloco de notas onde ia apontando muitos dos detalhes e aspectos que os respectivos guias locais iam referindo. Eu, já agora, escrevi grande parte destes textos apenas enquanto o autocarro circulava – conforme assinalo nas horas que referencio – ou desenvolvia-os quando, chegado ao hotel, à noite, reflectia sobre o dia vivido. Portanto, muita gente, muitos estilos, muita diversidade de tendências, muita cultura, muita sabedoria e muita audácia (a minha).

Reparamos assim o quanto ignorante somos face a conhecimentos primários que deveríamos ter e que são parte da nossa própria História. Neste particular ocorre-me citar uma máxima antiga que diz: “a cultura é aquilo que resta depois de termos esquecido tudo o que aprendemos”.

Imiscuímo-nos assim nos assuntos da cultura como se fossemos capazes de aguentar e de nos igualarmos, quando só nos resta a simpatia para compensar a ignorância que nos atravessa o espírito. E, no entanto, sentimo-nos felizes por podermos ter o privilégio de partilhamos o passeio e o tempo livre num salutar convívio de veraneantes com algumas pessoas muito especiais e que nos orgulhamos de conhecer.

Assim, nesta miscelânea de cruzamento de pessoas, géneros e culturas, como que numa derradeira tentativa de nos desinibirmos face às ideias e conceitos que temos dos outros e de nós mesmos, alarguei os meus horizontes e, quase num último esgar de viagem, ultrapassei os obstáculos que criei e parti à conquista de novos denominadores.

E se ontem almocei com o casal Abreu, hoje estive com outras pessoas e, neste caso, incluí-me em outro grupo de professores, estes do Algarve e cujos nomes não fui autorizado a revelar porque são da Universidade e os alunos muito “intrometidos” nos assuntos que não lhes dizem respeito…

Visitámos ainda o mercado do centro da cidade, fizemos compras para oferecer aos amigos e convivemos na cumplicidade possível. Por momentos senti-me repartido por outros grupos que também por ali partilhavam aqueles espaços, enquanto todos esperávamos pela hora de sairmos.

São 14:40h e com 30ºC termino o passeio e digo adeus aqui a Oviedo: até à próxima! Enquanto a León atiro: aqui vamos nós!

Rumámos a León pela autopista E-66. Temos à nossa direita uma serra bem verde e íngreme com vários picos de vários tons de verdes reflectidos pela luz do sol e que se prolongam até um vale bastante largo. Árvores, muitas árvores pequenas de copas baixas e que se distribuem serra acima. Há taludes com pregagens nalguns locais para susterem a inclinação perigosa de taludes quase verticais, mas de aspecto cinzento velho que se confundem com a vegetação.

O autocarro vai num silêncio absoluto. A rádio raramente se ouve agora. Há pessoas a dormir, o que também não me admira depois de um repasto bem apaladado. Cada um saboreia a viagem à sua maneira.

E devemos estar bastante acima do mar, a alta altitude, porque senti os ouvidos a estalarem da diferença de pressão, como se estivéssemos bem acima, em pleno voo.

Passámos dois túneis, o que de resto parece ser comum nesta zona elevada do norte de Espanha, atravessando montanhas, e agora um terceiro mais curto.

O sol continua intenso e o céu está salpicado de nuvens altas que nos oferecem imagens imaginárias que vou fotografando. De máquina apontada ao céu pareço meio tolo em busca de algo que invento no olhar:  um pássaro branco.

Um túnel, este com mais de quatro mil metros. Estou a escrever às escuras e interrompi a escrita porque vejo apenas aos repelões, como se se tratasse da luz intermitente de um farol de rotação acelerada. Aqui, na verdadeira acepção da palavra, posso dizer: já vejo uma luz ao fundo do túnel.

Vamos sair das Astúrias e entrar na província de León e Castilla. Uma nova etapa. Acabou a verdura da costa Cantábrica; serra à vista, inóspita e clara.

São 16:15h da tarde e chegámos a León. Uma tarde quente de 32ºC. Vou sair do autocarro para o hotel e perceber se hoje tenho mais sorte do que tive nos dois últimos dias. E tive. “Não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe”, apetece dizer.

Este quarto do Hotel Conde Luna é muito bom, tem excelentes condições e até tem vista sobre parte da cidade. Colocaram-me no 8º andar, e da varanda a que acedo, o meu olhar projecta-se por cima de uns telhados de uns prédios em frente, mas desafoga-se ao longe em vistas de uma segunda linha de mais prédios de tons e alturas que não ferem a paisagem citadina. O quarto de aspecto muito confortável com uma cama enorme e a casa de banho ampla e muito funcional, tem tudo o que é comum os quartos de hotel terem.

Entretanto, entrei e saí do quarto sem me deter em mais detalhes. Larguei o malão vermelho sobre a banca em estrutura de madeira para as malas e saí para ter tempo de visitar ainda a Catedral de León com os seus milhentos vitrais, antes que encerrasse.

Deram-me uns auscultadores para acompanhar a visita, mas tive que me entender em espanhol, visto que apesar da nossa proximidade as opções eram piores, tais como o inglês, francês ou alemão, entre outras; português népia.

 E a Catedral de León é, de facto, um espaço muito bonito, interessante, mesmo majestoso, mas confesso, cansei de tanta Igreja, capela, santos e mais santos. Entro e não sinto, como devia, a fé e a importância dos lugares. Entro nas Igrejas como um simples turista de ocasião para tirar umas fotos, se puder, e pouco mais. É triste que assim seja e que me limite a ter este sentimento, sendo eu um cristão cada vez mais distanciado da sua Igreja: talvez o resultado da decepcão que sinto pela vida, ainda que vá acreditando em algo superior.

Depois não entendo nada da arquitectura religiosa ou histórica, sou um leigo, como um burro a olhar para um palácio, sem entender traços, características, perceber nomenclaturas, ícones ou o que quer que seja. Olho sem ver; não sei tirar partido da cultura que aquelas paredes revelam, limito-me a apreciar sem compreender o que a história conta. A ignorância, quando reconhecida, magoa.

Visito então a Catedral no tempo que me resta, antes de regressar para a hora do jantar. Dou ainda um giro pelas ruas circundantes e procuro encontrar mais do que a principal Igreja nos transmite. Entro noutras pequenas igrejas. Procuro também descobrir a cidade, os seus recantos e até faço compras.

As fotos que são também o meu hobby nesta viagem, aqui em León juntam-se mais umas dezenas ao conjunto. Procuro fotografar não apenas o que todos fotografam, mas encontrar no que vejo um olhar de imagens que possam fazer a diferença. Infelizmente, não sou um perito e nem sempre consigo tirar partido daquilo que poderia ser uma excelente fotografia.

 Já no hotel, sempre a correr, porque as horas passam depressa, ainda tomo um banho para me sentir melhor, e desço com roupa e cara lavadas.

No piso inferior à recepção chego a um salão imponente de mesas redondas cobertas de toalhas brancas. Está tudo pronto com talheres e pratos dispostos em frente de cadeiras altas. Sento-me indiscriminadamente numa delas, numa mesa próxima da entrada. As pessoas vão chegando e sentam-se nos lugares disponíveis das quatro grandes mesas de oito pessoas. O casal Abreu atrasou-se e, inexplicavelmente, tiveram de se sentar em mesas separadas. Comigo seria impensável, nem que me tivessem de improvisar uma. Todavia, na sua simplicidade, preferiram não levantar problemas e, em silêncio, não partilharam juntos aquela que foi a última refeição do grupo.

 Já eu tive mais sorte na mesa que escolhi. Aqui, à sua volta, contaram-se histórias anedóticas, na primeira pessoa, sobre as mais diversas distracções de um casal em particular. Foi um rir à gargalhada entre garfadas de uma refeição bem apaladada.

O grupo distribuíra-se por quatro mesas, mas esta foi a mais “galhofeira”. E diverti-me bastante com estes inesperados comensais que se haviam sentando aleatoriamente, conforme iam chegando. A animação e o riso prevaleceram desde o prato de Jardineira que chegou primeiro ao das fatias de lombo assado com batatas – que estavam deliciosas – que comemos depois. No fim ainda houve espaço para uma sobremesa gelada com tarte. Tudo muito bom.

Mas a noite de convívio não havia de terminar naquele jantar. Depois do repasto juntei-me a um grupo de três mulheres da comitiva: nomeadamente, à Líbia “das vacas” e a mais duas professoras de origem algarvia, cujos nomes que não me ocorrem agora, mas como já referi antes também não os poderia mencionar.

Aqui chegado, estou, de facto, velho, cansado… e esquecido. Saímos do hotel com a perspectiva de irmos a um bar beber uns copos. Afinal, caminhámos cem metros e fomos sentar-nos numa esplanada à frente da Catedral (eu de costas para esse monumento) e ali ficámos a noite toda, até há pouco em conversas cruzadas. E são agora 01:30h.

À mesa da esplanada, foi um tempo de diálogo a quatro que acabou em conversas de amores antigos, entre outros assuntos transversais a todos. Pude aperceber-me, no entanto, que as minhas novas amigas são todas muito viajadas. Todas elas já calcorrearam essa europa fora, e eu, por outro lado, mais uma vez, senti-me uma insignificante molécula de partículas de papel de quarenta gramas que não deu nada de si à vida.

Limitei-me a vivê-la, sim, mas sem lhe dar nada em troca: um motivo, um trabalho, uma obra. E é isso que me entristece. Não ser nada, não ter obra feita. Olhar para essa gente tão culta, tão formada e informada e compreender porque eu estou onde estou e as pessoas são o que são, têm as experiências que têm e vivem bem, como vivem.

E pronto, é neste lamento repisado e de fragrâncias que exalo com o prazer efémero de uma noite à luz da Catedral que assim chego aos derradeiros minutos de convívio nesta viagem.

Regressámos os quatro pelo mesmo caminho ao Conde Luna sem termos desfrutado mais do que apenas aquelas inesperadas conversas de ocasião. Distância curta, por sinal, numa noite excelente em que só mesmo o conforto do hotel nos rouba a vontade de continuar por ali e prolongar aqueles momentos por mais algum tempo.

Meio deitado já, sobre esta enorme e confortável cama, respiro o aconchego de um abraço imaginário sobre mais este dia vivido aqui em León. Quero, no entanto, adormecer sobre as palavras que me vão embalar no meu sono e não pensar muito na ideia de que esta será a última noite dormida em hotéis de quatro estrelas. Quero absorver intensamente este último folego e não pensar no regresso à minha “pensão Josefina” e ao pequeno quarto que me abriga, o quarto onde minha filha mais velha cresceu, mas a cama não.

Vou querer saborear até à distância infinita de uma estrela, a tranquilidade serena de uma noite que quero que seja única, por ser a última. E enquanto o meu olhar se entreolha e se turva entre mantos lácteos de um universo de lençóis brancos que me abraçam, escondo a minha solidão em frígidos rugidos de um amor fugidio que não sinto, que não vejo, que não existe.

Vou assim neste embalar de sonhos acrescentando pensamentos às minhas ilusões e na vontade de procurar adormecer, não pensar muito que amanhã será o derradeiro dia. Aquele em que, depois de acordarmos, saltarmos do último despertar e sairmos daqui, restar-nos-á a viagem de regresso, onde terminaremos em solo Luso, na Avenida João XXI, na nossa cidade, em Lisboa à porta da Lusanova.

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