SENTIMENTOS
Miratejo, 19 de Abril de 2011 20:30 horas
Um sonho, uma vida cheia de nada. Um passo em falso, uma
ilusão sem destino. Um dia para sorrir ou chorar, uma canção para esquecer. Um passado
histórico sem um final feliz. As estrelas desapareceram do céu, as nuvens
invadiram o meu quotidiano. Já não há crianças a sorrir, brinquedos espalhados
pela sala, nem sequer o choro delas a implorar o sono. Partimos. Apenas há um
vazio, uma lágrima que desaparece do canto do olho, uma mágoa que nos trespassa
o coração. O amor deu lugar ao ódio, o sorriso ao choro. No rosto a palidez de
um moribundo, as pernas fracas e magras parecendo palitos. Os braços
esqueléticos, informes, sem magia. As mãos, vazias de nada, como areia que se
nos escapa por entre os dedos. A manhã está fria e a noite envergonhada. Não há
pão na mesa e a lareira está apagada. A toalha está manchada de desgosto e o
vinho bolorento no fundo da garrafa entornada sobre a mesa. No tecto um
candelabro apagado. Uma vela junto à janela no parapeito frio arde de dor numa
chama fugaz que quase se apaga. Não há limpeza, e pelo chão sobram migalhas
ressequidas de um pão quente de outrora. Os meus filhos já morreram. Minha mulher
já morreu. A casa está negra de tanto arder. Nem sequer há vento. No ar uma paz
podre de algo que se esqueceu para trás. Não há nada, nem paisagem, senão um
muro grande e alto com tijolos de barro aqui e ali à vista pela corrosão do
tempo. Um vulto negro avança pelo ar como que esperando um último estertor. Estou
já frio, vou morrer também.
Carlos AlbertoNota: Esta é apenas uma página do meu Diário que faço há mais de quarenta anos e é a primeira que transcrevo para o computador. Tem para mim um significado especial por isso, e pelo facto de ser neste dia. Traduz a minha dor, por tudo o que vivi e que senti e vale o que vale.
(este resumo é mesmo de 2011)
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