MEMÓRIAS DE 2013



Páginas do Meu Diário (2º Semestre)

 


Quinta-feira, 4 de Julho de 2013 (Torre da Marinha, 00:40h 05/07)

“A sorrir”

 


Gosto imenso de sonhar, acreditar nos sonhos, e que eles um dia se tornarão realidade. Mas para isso não podemos acordar, não podemos abrir os olhos para ver o que está à nossa frente, ao espelho, porque a desilusão será grande. Ou não. Nem toda a gente é má. Eu procuro ser a melhor pessoa possível. Mas não sou nem a melhor pessoa do mundo nem a pior. Gosto de ser diferente, já me basta. Finalmente acordo. Decididamente encaro a dura realidade. Olho em volta e acabo a sorrir. Estou estranhamente feliz. Agora escrevo algumas coisas pontuais sobre um certo ponto de vista. Não valem nada ou até podem ser interesseiras, oportunistas e até estranhas. Mas escrevo o que sinto. Ando à procura de um mundo novo e diferente. Para mim, as portas abrem-se, aparentemente, e fecham-se de seguida, como que desconfiadas de que, quem bate, possa ser um ladrão, um vendedor de banha da cobra ou até um vigarista qualquer; há por aí tantos. Choro, então, por dentro porque o meu produto que até pode ser bom, não encaixa. Na verdade não vendo nada e o meu produto sou eu mesmo, nesta reles figura escaqueirada de quem levou com um tijolo na testa, tropeçou num degrau e partiu os dentes, carregou às costas durante séculos um saco de batatas, daqueles grandes, que pesam. Mas agora não há mais nada a fazer. Tenho é que me pôr a caminho, tentar outra galáxia porque aqui já não tenho lugar. Há, realmente, gente muito boa por aí e, em boa verdade, já estou também fora do prazo. Não adianta esburacar, fazer barulho, mostrar o sorriso com os poucos dentes que me restam porque não vou conseguir enganar ninguém. Sim, resta-me ser feliz acordar, no meu canto, mesmo que sozinho, e sorrir para o novo dia.  

 
Carlos Alberto

 
Terça-feira, 16 de Julho de 2013 (Torre da Marinha, 02:00h 17/07)

“Para a Ana do Lácio" 



Teu chão foge de mim e sinto-me um condenado por um crime que não cometi. Teu olhar desapareceu, tua luz se extinguiu. Sinto-me nas trevas, o mundo ruiu. Já não choro, não tenho lágrimas de amor. Cansei-me de sofrer, agora já só me falta morrer. Estou triste, sinto-me só, mas não vale a pena pensar que já fui pão-de-ló. Meus passos são arrastados, meu cansaço é a minha vida, lamento meus tristes fados, e a alegria perdida. Por momentos ergui-me, fui um homem feliz, depois, num instante fui atingido e caí, como uma perdiz. Sim, estou a falar de ti minha estrela do hemisfério sul, daqui deste mundo longínquo de onde te atiro uma flor azul. Mas pode ser amarela, branca verde ou vermelha; as cores que o amor suporta aceitam qualquer telha. E neste embalar de emoções este recado nem te chega, mas vou guardá-lo com as sensações de quem para si mesmo prega. Mas não fico triste por isso, por saber que me sinto só, estou triste por essa espécie de feitiço, como triturado por mó. Todavia, tenho a esperança que o amanhã tudo clarifique: que eu obtenha a fiança e o caminho se me indique. Serei feliz com o teu olhar, tuas palavras, tua presença, serei feliz no teu chamar, tuas graças, tua crença. E neste dia vazio resta-me a tua energia, mesmo sabendo que não é um rio que nos separa, mas eu tudo faria. Sim, sei que não sou um poeta, como tu, uma mulher de elite: serei apenas um pateta a quem facilmente se faz “delete”.


Carlos Alberto  

 
Domingo, 28 de Julho de 2013 (Torre da Marinha, 20:20h)

“Vergonha de olhar”

 


Caminho pela marginal olhos postos no chão. Só distingo as sombras do que passo. O rio vai ali a meu lado e só consigo ouvir o som das suas margens. É uma tarde de um verão algures no silêncio dos meus pensamentos que voam comigo em memórias que me esvaziam. Vou só, dialogando com os passos que dou sobre o amarelado argamassado de cimento que piso. São passadas ritmadas em jeito de quem vai com pressa, sem pressa, para um destino incerto. O sol está a pique e projecta-me lateralmente. Reparo na sombra que me persegue de forma curvada e que silenciosa me grita. O peso da idade e a postura estão  ali reflectidos e magoam-me. Pequenas gaivotas (rolas do mar?) intrometem-se no meu silencioso discurso. Também as vejo tagarelando pela maré que se enche calcorreando o lodo. Parece um sonho estar ali, tão perto e tão longe, percorrendo lugares com a brisa do rio a salpicar-me o rosto. Há também gente, afinal, que me passa ao lado, aos pares, em grupos ou de bicicleta. Ouço e vejo também crianças que vão correndo chutando bolas ou brincando com a areia de pedrinhas que ladeiam o jardim que atravesso, junto a verdejantes palmeiras. Anestesiado e indiferente sigo o meu caminho sem deter o olhar na imensa gente que enche a esplanada, sentada em cadeiras brancas sob abrangentes chapéus-de-sol. Não vale a pena sentir o pulsar dessa gente; eu tenho um caminho diferente para percorrer, tarde afora, mesmo sem tempo para chegar. E no meu silêncio invento poemas, prosas, páginas de um Diário, fotos. Finalmente, olho e entro, por fugazes instantes, em tudo o que me rodeia; absorvo num olhar profundo um último suspiro, e fecho atrás de mim a vergonha pela solidão que me foi imposta pelos outros. Sei que não posso parar, sei que tenho de continuar, mas também sei que estou cada vez mais velho e cansado de tanto ter os olhos no chão e não quero.  

Carlos Alberto


Segunda-feira, 12 de Agosto de 2013 (Torre da Marinha, 24:00h)

“A felicidade aos poucos”


A música encheu de alegria a sala repleta de gente. As palmas ouviam-se no fim de cada trecho e a festa era contagiante. No ar, sorrisos, e as conversas eram gritadas por cima dos acordes. Sobre a mesa o vinho escorria nos copos e, sem demora, vazava-se nas gargantas secas. A carne, suculenta, era servida aos nacos, cortada do espeto sobre os pratos. Ingredientes, quanto bastem, para tornar aqueles momentos e este dia especiais. Amigos, gente conhecida, pessoas que vemos duas vezes por ano: em Agosto e em Novembro reúnem-se à mesa. São as festas de aniversário que nos ligam e que ainda se vão podendo comemorar. A crise existe, sente-se, marca-nos, mas, lá vamos conseguindo superar as dificuldades, sempre crescentes, comemorando, ano após ano, com mais uma festa. Compra-se uma prenda e paga-se assim o jantar de outra forma. Interessa, no entanto, é a oportunidade do convívio, o sentido da amizade, o reencontro com a família que anda cada vez mais afastada e longe, muito ocupada com os seus afazeres inadiáveis. Há, contudo, apertos de mãos trocados, beijos e abraços apertados, sorrisos e palavras de circunstância. Mas a felicidade tem, no entanto, um preço e que é muito elevado. Pelo menos para mim que não encontro no meu caminho o tal “lar” que tanto procuro. Não, não é literalmente uma casa, mas “um espaço de amor”. Há quem lhe chame um lar, e é exactamente isso que eu não tenho. É o preço que estou a pagar por aquilo que construí ao longo da minha vida, nada mais (e com juros). Podia ter um lar, sim, e amor, mas não tenho. Abdiquei de tudo por algo que não consegui segurar. Digamos que adquiri uma casa com piscina, mas perdi-a porque não fui capaz de tratar bem dela e faltou-me o dinheiro para pagar também ao jardineiro... gente fina. Sigamos para a próxima festa.

 
Carlos Alberto
 

Domingo, 1 de Setembro de 2013 (Torre da Marinha, 00:20h 02/09)

“Sorriso de lágrimas”


Vamos devagar, em consciência, sem atropelos e de uma forma racional. Não vale a pena corrermos, nem tão pouco chorarmos. Calma. Há festa lá fora, sim, mas não é para nós, não nos diz respeito. Estamos no lugar que nos está predestinado, a sofrermos o que temos para lamentar, mas sorriremos, decerto, na proporção do que somos e temos direito. Não há, portanto, aqui vitórias nem derrotas, nem sequer empates neste jogo que até pode ser apenas de palavras. As vivências têm todo o sentido, valem o que valem, mas há um lugar onde pertencemos e sabemos isso. As vivências, podemos abraçá-las, agarrá-las e olharmo-las até nos olhos, mesmo com um sorriso de lágrimas, mas serão sempre estas que, no fim, teremos de engolir, com esse sabor amargo e doce de uma amêndoa transversa. É o tempo, a vida, as cores, as pessoas. Tudo passa e nós somos apenas intérpretes secundários de um extenso universo de estrelas que nem sequer conhecemos. É que sobra da nossa existência quando não temos argumentos. Não somos nem poetas nem actores, não somos figuras, mas figurantes. Não somos ricos nem especiais. Não temos nada senão a nós mesmos e até aí não somos capazes de chegar a ser gente. Cruzamo-nos na rua, mas até o olhar trocado me faz doer a alma do que sou e represento. Perdido, sozinho fugido de todo o mundo deambulo em segredo pelas paisagens da vida. Mas até os cenários são emprestados. Não tenho felicidade própria, tudo se esgotou naquele tempo que me foi dado outrora. Nada agora é meu e apenas me é permitido respirar e usufruir este espaço e o tempo que me escapa por entre os dedos como areia. Sinto-me triste, mas sorrio. Sinto-me só, mas alegre. Ando, corro, caminho, choro e até falo com as estrelas, mas é tudo quanto me resta nesta curta passagem. Sei que tudo ainda não acabou e acredito que haverá um futuro sorridente lá à frente à minha espera.   

Carlos Alberto

 
Sexta-feira, 27 de Setembro de 2013 (Torre da Marinha, 19:40h)

“Tão boa que ela é”


Vou falar de algo de que gosto muito, como se estivesse a falar de uma namorada. Porque, de facto, gosto muito dela, de comê-la e, quando o faço, faço-o com um prazer enorme, como se, colocar-me sobre ela, fosse, para mim, à colherada, o melhor dos deleites. E estou sempre a pensar nesse momento, na hora de me encontrar com ela, deitá-la sobre a mesa e, já bem quente, desfrutá-la até à última gota. Sim, fui eu que tive de aquecê-la nos preliminares. Estava fria no início, mas depois de um pouco de chama por baixo, eis que ela se entregou, totalmente disponível, para a desfrutar e saborear com todo o gosto. E absorvo-a, gota a gota, em cada gesto quando a como, como se de um delicioso repasto de marisco se tratasse. Como se sabe, marisco é para mim comida real, ao nível do caviar para alguns. Mas neste caso, não uso as mãos directamente para a comer. O único artefacto, que não tem nada de fálico ou falacioso, é uma simples colher. Levo-a, cheia de sopa, sofregamente à boca, envolvo-a e saboreio-a vagarosamente com a língua para sentir nas pupilas gustativas todos os sabores nela contidos e, depois, em êxtase, engulo-a como se sentisse um orgasmo. É, de facto, apenas uma sopa feita por mim, saborosíssima, carregada de aromas, sabores e ingredientes, e confeccionada com o amor de quem faz um filho. E é maravilhoso aquele momento em que me sento à mesa para a comer. A sopa é simplesmente deliciosa e fico feliz, mesmo na minha solitária refeição, estar ali a degustar uma refeição que eu próprio produzi. E é esta a história da sopa de legumes que costumo fazer e com a qual me satisfaço. Podia ter o mesmo sabor de uma namorada, mas é apenas o gosto de uma simples sopa feita com muitos ingredientes saborosos, na expectativa de que a vou comer hoje e durante alguns dos próximos dias.

 
Carlos Alberto

 
Quarta-feira, 09 de Outubro de 2013 (Torre da Marinha, 00:45h 10/10)

“As luzes apontadas”


Talvez pareça absurdo, mas continuo à procura da minha identidade. Estou sempre pronto para tudo, seja para abraçar o mundo, seja para me despojar de tudo o que sou e atirar-me de cabeça de uma ponte qualquer abaixo. No gozo do momento, não tenho um rumo definido para mim e a minha vida constitui-se, todos os dias, num desafio novo. E não interessa se há sol, se chove, se é alto ou magro, se é homem ou mulher. Busco no sentido a razão das coisas e entrego-me de corpo e alma ao manifesto que a vida me mostra. Há em mim uma espécie de bipolaridade disfarçada em ritmos que eu próprio não controlo. Sei do que gosto e faço-o com prazer. Sei que a vida é para ser vivida e que tenho de estar preparado para tudo. Nem que para isso me acordem de uma noite de sonho e vá para a rua desfrutar de uma bela e quente manhã de sol. A minha vida é tudo isto num só bloco: amo, traio, sofro, caminho, converso e desabafo o tudo que sou. Parto e reparto toda a essência do meu ser sem olhar a meios. Quero a felicidade dos outros e que a minha apareça no meio, espontaneamente, apenas como num gesto de solidariedade. Vivo, quero sorrir, e quero também ser feliz nesta terra de oportunidades para homens e mulheres, feitas de coisas boas, aprendizagens, de cansaços e desejos de virtudes que amolecem no nosso coração. Há sinais que são bons, sim. Há luzes a apontar para nós e que nos dizem que certamente vamos conquistar novas etapas. Há portas que se abrem, mas só mais uma, porém, eu gostaria de ver aberta e que se fecha: a do trabalho que não tenho.

    
Carlos Alberto

 
Sexta-feira, 11 de Outubro de 2013 (Torre da Marinha, 01:45h 12/10)

“Os sentidos das palavras”

 


Não sei o que quero nem para aonde vou. Caminho sem rumo, sem orientações. Escrevo para nada. Ninguém me ouve, me escuta o que digo: ando perdido. Para dizer tudo, não sei que mais, quer fale de dor, quer fale de paixão. Atiro-me em todos os sentidos, sou reincidente, mas nunca chego a lado nenhum. E não adianta gritar, não vale a pena subir às montanhas, não há nada para além deste muro transparente. Não consigo fazer sentir nada do que diga. E ainda me castigam agora os barulhos que me chegam de uma cama a ranger, gestos e actos que sou obrigado a imaginar, mas que já nem me magoam, tão insensível estou ao amor ou ao simples prazer da carne. Aliás, amor já não entra no meu léxico, só, aqui entregue a uma página sem qualquer espécie de sentido, onde os assuntos se misturam. Os barulhos apagam-se e os meus sentidos sossegam. A brincadeira teria acabado aqui, não fosse apenas afinal uma pausa. É dramático. Não há, no entanto, gemidos: apenas sons de mobília, como se não houvesse gente dentro, mas apenas movimentos. Não entendo. No silêncio desta noite é o que me resta. Quero pensar na minha razão de ser, na frustração das palavras por escrever, e não consigo encontrar algo em que me possa apoiar. Estou só, não tenho abraços, não tenho gente, não tenho uma mão amiga, além de minha mesmo. E magoo-me nesta angústia de um silêncio acordado por sentidos que me despertam para um nada. Resta deitar-me também nesta cama de ferro, igualmente ruidosa, mas que não se faz ouvir senão no momento em que me deito ou para me virar para o vazio do outro lado. É a sorte que tenho, a sorte de ter uma cama para me deitar, mesmo que sozinho.


Carlos Alberto
 

Quarta-feira, 16 de Outubro de 2013 (Torre da Marinha, 01:50h 17/10)

“Todo o dia fora”

 


A noite avança galopante enquanto encontro razões para estar aqui ainda, agora, acordado, por uma qualquer intenção que faça sentido, além de escrever. Mas não há senão tempo, o tempo que inexoravelmente nos desgosta. Ouvimos protestos, lamentos, desgraças e afins. O mundo, a sociedade, as pessoas estão infelizes e miseravelmente desgraçadas. A política consome-nos. Mas não são já e apenas as notícias que nos bombardeiam todos os dias que nos chocam, são mesmo as bombas que caem sobre nós e que nos desfazem em pedaços. E não sobra pedra sobre pedra. Sofremos, definhamos e morremos em estertores de agonia que nos dissolvem por inteiro. Ouvimos o eco dos gritos dos outros e saímos em seu socorro. Percorremos quilómetros de desgraças e ainda assim tentamos sorrir na força e na coragem que acalentamos e que já não temos. Apetece-nos desistir, mas aguentamos. Sentimos as espadas a perfurar-nos a alma, mas suportamos, toleramos e fazemo-las deslizar como azeite a esfriar-nos a garganta. A nossa desgraçada vida passa a ser um manjar real perante a miséria que nos acolhe. E acabamos a sorrir dando alento a quem não o tem. É este afinal o nosso destino: ajudar quem precisa, mesmo que isso custe o nosso esforço, o nosso labor gratuito, estar e fazermos alguém feliz. É este então o tempo que tenho, o amor que dou sem estar à espera de receber em troca. Ser o braço direito de alguém que se socorre de nós e nos elege para sermos a sua força interior. É gratificante. E ali estamos de forma abnegada, oferecendo, sem limites, o nosso tempo, o nosso trabalho. O troco é uma refeição na mesa: saboreamo-la com o prazer de quem se gosta por muita amizade, sem preço.

Carlos Alberto

 
Segunda-feira, 28 de Outubro de 2013 (Torre da Marinha, 00:10h 29/10)


“Sem paixão”

 


A vontade é grande e é mais forte do que nós. Não somos capazes de resistir, mesmo que o grito se faça apenas ouvir num sentido, que não o nosso, mas o do outro. Mesmo assim, galgam-se vedações, escadas, construções e até tabus. Partimos e fazem-se quilómetros de prazer sem nenhum problema de consciência. A realidade está no gozo do que em segredo se gosta, mesmo que apunhalados pelas costas, se grite pela razão que não faz sentido, seja porque a fome é dos outros ou o riso uma brincadeira de crianças. Qual cansaço, qual ironia. Vinte anos de memórias apenas para chegar aqui a este momento sublime servido em cima de uma cama de lençóis brancos com um espelho em frente, como num tribunal sem memória. Fecham-se os olhos e engole-se a sensação de que um homem se humilha, mas só sofre aquilo que lhe é permitido sofrer, como castigo. Há relâmpagos no céu, chuva que abundantemente nos inunda em sonhos que na realidade nos sacodem. Um momento que se prolonga até que a tarde se faz noite, prolongando-se para um café, debruçado sobre a psicologia seja dos espíritos ou da alma. Quente, sobe de tom o diálogo e gosta-se. Mas a hora é do regresso e fica a vontade de continuar, assim houvesse capacidade para isso. Então, resta-nos acabar em casa, entregues a um desejo que se consuma, de joelhos, na solidão de uma prece a duas mãos invertidas, sem jeito, no jeito de ser o que se é, com ou sem razão, na paixão de ser gente, mesmo sem gente dentro. É este o destino de um homem que mesmo que tenha uma Céu à espreita, esta aflora acenando-lhe com o vento agitando as muitas nuvens que se perspectivam no horizonte.


Carlos Alberto


 Terça-feira, 29 de Outubro de 2013 (Torre da Marinha, 01:10h 30/10)

“Estar fora do Céu”


Não tenho autoridade para falar de amor. Deixei de o sentir e já não faz parte do meu léxico. Deixei de ser um homem de paixões, mas apenas alguém que sente rancor, ódio e desilusão. Faço um esforço para me integrar, sim, mas já não tenho ferramentas, nem coragem, que me permitam ser o que fui, para conseguir. Ouço gritos e vejo as paredes a ruírem à minha frente. Os castelos a desmoronarem-se, os rios a saírem dos seus leitos, as nuvens a cobrirem o Sol e as crianças a chorarem. Já não há paz, mas apenas confrontos. Há polícias nas ruas e nos cruzamentos das estradas já ninguém pára nos semáforos quando estão vermelhos. É o caos. As luzes apagam-se e a música perdeu o ritmo: calou-se. Ouvem-se os sinos nas torres das igrejas e os barcos estão todos atracados ou a salvo, em terra. O vento sopra forte e os gritos ecoam pelas trevas. Não há sorrisos, mas apenas dor e sofrimento. Eu choro, impotente, a ver passar as mulheres acorrentadas. Queria escrever uma poesia, plantar uma flor, oferecer um banco junto ao rio com vista para a Ponte, mas só consigo uma janela com uma parede de tijolo diante. Já não há amor, já não há paz, já não há nada senão a nossa solidão, enquanto o mundo se alaga e afoga, lá fora, em mágoas, dor, sofrimento e angústia. Homens que agridem, homens maus, de mau carácter, que ofendem, aterrorizam e matam quem está perto deles e os enfrentam. Eu estou no meio de um tornado que se aproxima, mas a tempo de avisar os outros e fugir para o lado do Sol. Estarei a salvo por minhas próprias mãos enquanto há ainda quem esteja em alto mar.


Carlos Alberto
 

Domingo, 03 de Novembro de 2013 (Torre da Marinha, 09:00h 04/11)

“Sem força para lutar”


A vida passa, foge-nos, corre depressa. Se não formos capazes de a agarrar, ela acaba por passar-nos ao lado. E é o que acontece. Procuramos fazer uma pausa, estar atentos, mas na hora de agir, o tempo já passou. E, atrasados, vemos partir o comboio sem nós. É assim esta vida que passa lesta, minuto a minuto e quando damos por isso já lá vão as horas, os dias, o tempo. E olhamos para nós e estamos velhos, com o tempo a lavrar-nos o rosto de rugas, impondo-nos a perda de qualidades, obrigando-nos a deixarmos de ser quem éramos. E é esta a fatalidade do tempo: o de não sermos capazes de o vencer, de agirmos relutantes e sermos quão fortes até sermos capazes de realizar, a tempo, algo que possa perdurar para além de nós. Olhamos para trás e não vislumbramos nada: nem amor, nem família, nem nada com que nos identifiquemos. Estamos aqui sozinhos sem obra feita, sem nada para fazer e não deixamos sequer o exemplo do que deve ser uma vida. Sós, perdidos, deixámos de contar. Somos farrapos velhos e ninguém nos quer e nós , por arrasto, não queremos ninguém. Entregues a nós próprios, deixamos que o tempo nos corroa e não fazemos nada para contrariar esta inércia. Fico, obviamente, triste. Triste por eu já não ter força não ter um impulso, uma motivação e me deixe entregar assim a um desconsolado ócio que não é bom para mim. Na verdade, deixei de lutar. Acho que já nada vale a pena porque eu próprio acho que não valho nada e deixei passar o meu prazo de validade. Esta é a minha realidade actual, aquilo que eu sinto, aquilo que a sociedade me transmite, mesmo que não seja isso que ela me quer dizer. Todavia, só a mim me cabe mudar este sentimento, embora, neste tempo eu não me sinta com força, para sozinho mudar este estado de coisas.


Carlos Alberto

 

Segunda-feira, 04 de Novembro de 2013 (Torre da Marinha, 01:45h 05/11)

“Palavras sem nada”


Aqui vou eu pela noite dentro em busca das palavras de amor, que traduzam poesia, que possam ser lidas e interpretadas com prazer e manifestem satisfação. São palavras que querem falar das coisas boas da vida, palavras que revelem felicidade, palavras que tenham mensagens dentro. Sim, experienciamos hoje tempos conturbados e difíceis, em que todos vivemos a angústia de um quotidiano sem futuro. Contudo, por outro lado, quero revelar aqui a paz, a concórdia, a harmonia e o amor. Quero que esta página seja o reflexo de um tempo que eu, supostamente, vivi e bem, num espaço em que há, não apenas alegria, mas bem-estar, felicidade e riqueza para todos. Falei em riqueza, sim, mas falta referir que tipo de riqueza, porque esta é fundamental. E também falta o Poder. O poder das palavras, a riqueza do verbo, a certeza de que não há certezas quando pode ser a chuva e não o vento que bate nas vidraças. É a nostalgia da noite, o cansaço que nos abraça e acolhe, o silêncio que nos entra pelos ouvidos, a canção que não ouvimos e que queremos sentir, o riso da criança. É o amor em toda a sua plenitude, enquanto lá fora, lá longe, muito longe, alguém até chora. Talvez tenha nascido um bebé, talvez alguém esteja a sorrir de uma graça concedida. Descanso o olhar sobre estas páginas e é tudo quanto me resta. Absorvo-as como se fossem, como são, os extractos da minha vida feita em bocados que se conjugam, entreajudam e concertam aqui. São como suspensórios de roupa branca que se veste e se despe aqui de preconceitos que liminarmente desprezamos e que ficam à vista de todos. E assim construo este castelo de palavras que queria de poesia e que numa perfeita desordem se consomem nestas linhas que aqui ficam para a história de um dia em não aconteceu rigorosamente nada.


Carlos Alberto

 

 Domingo, 05 de Novembro de 2013 (Torre da Marinha, 20:35h)

“Contra ventos e marés”



Antes que se faça tarde e a noite nos roube, com o cansaço, a vontade ou a força para preenchermos estas linhas de memória, aqui fica um testemunho sentido sobre o que é um dia de aventuras. Sentindo no gozo bem profundo de um mastro, em águas agitadas, embarcamos agarrando-nos com prazer de marinheiro ao desafio das vagas. E as vagas, mesmo violentas, de todas as formas e sentidos, aguentamo-las e suportamo-las com o prazer que um qualquer perigo nos transmite no preenchimento de um desejo que não é de medo. E que mais palavras nos são permitidas para dizer que a vida se faz de pequenos momentos? Sim, há palavras e muitas. Um diálogo que mete psicologia e dá algum sentido às relações que não são apenas físicas. E não há nada de errado nos quadros que se espalham de forma aleatória pelas paredes. Absorvemo-los, gota a gota, olhos nos olhos, como se nos preenchessem o ego. E preenchem. Saboreamos a dicotomia de um doce salgado, como um presente gelado quente que se lambe, como uma criança pelo gozo de um brinquedo, mesmo que ela já seja homem adulto. E sente-se o cheiro. Naqueles quadros há a aspereza de uma pele carregada de pêlos que se amaciam de beijos enquanto os dedos percorrem, a par, cada centímetro de um corpo celeste despido de quaisquer preconceitos. No sonho ou num desejo ascendente, descemos até ao âmago de um gosto que nos aplaca e envolve, agarra e penetra, passo a passo, até à dureza hirta de uma convulsão. Aqui as palavras contradizem-se entre o imaginário e a realidade que nos perfura num grito de dor com a força de um braço de homem. É a fragilidade da natureza humana sobre o poder das vagas que não se controlam, mas que dão gozo desafiar sempre. Subir ao mastro é bom para ter a terra dos sonhos à vista, mas permanecer em terra firme é muito mais seguro, mesmo que as telas sejam de marinheiros em água doce.     


Carlos Alberto

 

Quinta-feira, 07 de Novembro de 2013 (Torre da Marinha, 00:50h 08/11)

“Sonhos desfeitos”



Mais palavras, palavras e palavras que não chegam a lado nenhum mesmo que um dia consigam ser transformadas em caracteres virtuais. Sombras de mim mesmo, homem sem história, ainda que com imagens dentro. Que pecado terei cometido para merecer ter este papel tão secundário, como o de uma larva de uma mosca ou de um limpa chaminés no século vinte e um? Não vale a pena chorar nem gritar ou pedir perdão. Não há ninguém para ouvir. Não há paz, não há vento, nem chuva, nem rios, nem caminhos. Somos pó, cinza e nada. Nada de nada, nada mesmo. É este o nosso papel. Não nascemos para lutarmos. Nascemos para ser submissos, percorrermos os caminhos fáceis. E não adianta desculparmo-nos com os outros. Não tivemos coragem, nem força, nem talento nem virtudes, nem amor suficientes. Alguém disse que “homens de topo têm mulheres de topo”. Ora aí está a resposta. Temos aquilo que merecemos por direito em função do nosso estatuto. “Muito tens, muito vales, nada tens, nada vales”. E pronto, aqui vou eu curvado, sem dentes, pobre, cansado, sem alma, sem atenção percorrendo minha estrada de terra batida, cheia de sulcos, rumo a um monte virado a um abismo, onde nem o sol chega, ou brilha. Um lugar onde está frio, que é triste e sombrio viver-se. Aqui chegado, é este o estado da minha alma, sem alma, sem cor, sem alegria, sem crianças a correr, sem sorrisos ou gritos de brincadeiras ou mesmo de choros de sono que nos acordam. Sobra-me a tristeza desta solidão maníaca que comprei e me tolhe, esta espinha atravessada na garganta que me castiga e me arranha, este castelo de areia construído à beira mar num lugar paradisíaco e que perdi na primeira ola mesmo construído num horizonte tão belo. Como as palavras e os sonhos, tudo perdi, mesmo o que era belo.


Carlos Alberto 

 
Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 (Torre da Marinha, 00:10h 19/11)

“Desisti: sou um derrotado”



O dia acorda-nos, atira-nos para fora da cama e, saídos de um sonho, despertamos para a realidade que temos pela frente. Um vazio preenche-nos o olhar e procuramos tactear o ar que nos envolve. Inspiramos com a força de um qualquer mortal e sentimos a realidade palpável crescer à nossa volta. Cruel e fria penetramo-la na esperança de qua a venceremos. Partimos então em passo ligeiro. Há uma barriga de aluguer que é preciso combater. Hora e meia com o frio a gelar-nos a face com o vento a soprar-nos nos ouvidos. O rio está vazio, como nós, mesmo que exaustos. Uma vitória, mas a guerra não terminou. Há um livro para ler. Lemos. Mas não haverá mais nada para conquistar? Saímos para um café. A disponibilidade é total enquanto na nossa cabeça os pensamentos se confundem, misturam e baralham para nos magoar. Mas já não temos lágrimas, nem mágoa. A insensibilidade agarrou-nos e deixámos de sofrer, pelo menos com a intensidade do passado. É como um barco que perdemos e que do cais vemos partir, sem nós. Não, não nos vamos atirar à água para irmos atrás. Outro virá. O céu está também limpo com nuvens dispersas. Sente-se o outono, o frio que nos vara, o gelo do inverno que se aproxima. Mas ainda há tempo para uma conversa. Cruzamo-nos com alguém que também gosta de conversar e de quem gostamos também de ser ouvintes. É bom e importante ouvir os outros, sobretudo quando nos falam de vitórias. Quanto às derrotas e derrotados é preciso saber onde estamos e reflectir sobre eles. Aí eu não tenho dúvidas: face às minhas desistências, eu estou no lado dos vencidos porque já desisti de lutar para ser feliz.


Carlos Alberto
 

Quarta-feira, 25 de Novembro de 2013 (Torre da Marinha, 19:40h)

“Desliguem a máquina”



Estarei vivo? Achamos que sim, porque respiramos. Mas acho é que tudo é artificial. Ligado a uma máquina vou continuando a sentir a pulsação. Vejo a luz do sol e exponho-me aos raios ultra-violetas. Não grito, mas mesmo que o fizesse também ninguém me ouviria. Limito-me então a absorver o ar que me envolve. Olho o rio enquanto caminho, mas a espaços porque me canso de já não ver nada. Haverá gaivotas que debicam as margens, garças e outras espécies, mas não consigo distinguir nada em pleno. Meus pensamentos estão longe. É como se tivesse uma parede à minha frente onde só vejo branco e vazio. Penso escrever nela, mas também não tenho nem coragem nem argumentos. Os meus projectos acabam no momento em que penso neles. A alegria está longe. Faltam-me os risos das crianças. Sinto-me velho e cada vez mais velho e gasto. Porque é que não me desligam da máquina? À minha volta não há mais nada senão o cheiro pestilento de algo que já passou da validade. São as sombras que me assaltam, são vírus, fantasmas, gritos e palavras que não ouço, mas cujo silêncio me magoam e rasgam por dentro. Está frio, muito frio para uma caminhada. Mesmo assim deixo para trás meia dúzia de quilómetros que não me conduzem a lado nenhum, senão à reflexão dos meus passos sobre a minha sombra. São apenas pensamentos que me assolam o espírito e me esmagam. Quero sorrir, mas não tenho dentes. Quero amar, mas nem me amo sequer a mim próprio quanto mais aos outros. Não, não quero viver mais. Meu tempo esgotou-se, mesmo que isso não seja muito relevante. A vida só vale a pena ser vivida se a partilharmos com alguém. Assim, desta forma, não vale a pena.


Carlos Alberto

 

Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013 (Torre da Marinha, 25/12 01:35h)

“A magia do Natal”



Estava tranquilo, quase a dormir profundamente quando, de repente, sou acordado por um estranho barulho vindo da cozinha. Levantei-me e, pé ante pé, no meio da escuridão da noite fui até lá para perceber o que se passava. Espreitei e vi então, para minha alegria, o Pai Natal que acabara de me deixar os meus presentes sob a chaminé. Meus olhos brilharam de contentes e quase nem dei tempo de o velho Pai Natal de barbas bem brancas e todo de vermelho vestido beber o seu copo de leite. Corri para a chaminé e mal olhei para os belíssimos embrulhos todos muito coloridos e brilhantes. Apenas reparei que, magicamente, eles cintilavam de luz no meio da escuridão da cozinha como se fossem estrelas bailarinas. Sem perder tempo abri todos os meus presentes, um a um, e gostava de todos: cada um mais interessante que o anterior e eram exactamente aquilo que eu tinha pedido ao Pai Natal na carta que lhe escrevi. E lá estava “a felicidade para os meus pais”, “muita saúde para a avozinha” “paz e amor para os meus amigos” e o Pai Natal nem se esquecera “dos meus amigos que estavam longe para quem desejei muita felicidade e alegria”. Estava mesmo tão contente. Era a noite mais feliz de toda a minha vida. E na mesa de Natal também não faltara nada. Houve doces, bacalhau, vinho e sumos. Houve muita alegria e saúde e, divertimo-nos tanto que, cansados, cedo nos fomos todos deitar. Mas eu, claro, ansioso pela chegada do Pai Natal, só conseguia dormir com um olho aberto e outro fechado. Foi assim que consegui ver o velho Pai Natal já a subir pela chaminé e, pela janela também vi as renas a puxarem pelo trenó e a voarem pelos céus. Foi um momento mágico aquele que todos os anos revejo na minha memória com muita saudade. Hoje já sou velho, mas continuo à espera que o Pai Natal me traga nos seus embrulhos aquilo que mais desejo para todos. E assim, todos os anos, a magia se repete, cresce e se esfuma, embora eu continue a vivê-la com a mesma esperança e intensidade.


Carlos Alberto

 
Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2013 (Torre da Marinha, 24:00h)

“Roupa velha”


Era uma vez um homem. Era velho e vivia só. Eu tinha pena dele porque era meu vizinho, mas nunca lhe dera nada ou fizera algo que ele verdadeiramente gostasse. Era um fulano alto, magro, de óculos na ponta do nariz. O cabelo, muito pouco, em tons de castanho escorria-lhe só para os lados. Visto de cima, a sua calvície parecia uma avenida que terminava numa larga rotunda. Ele bem tentava parecer um tipo hirto, mas a sua cifose não disfarçava a sua aparência corcovada. Ao longe todos o distinguiam pelo seu inconfundível perfil. Apesar da sua própria irascibilidade física, não deixava de ser um bom homem. No entanto, sempre triste e carrancudo, parecia que todos lhe deviam alguma coisa. Deveriam? Na boca faltavam-lhe dentes que nunca teve verdadeiramente. Que tristeza: um homem velho, corcunda e sem dentes. Só lhe faltava mesmo uma bengala para apoiar o peso do seu corpo meio desconjuntado. A sua roupa era tão velha quanto ele. Não parecia suja, mas a sua aparência até fazia doer, sobretudo quando misturava cores que não condiziam. Juntava azuis com castanhos e pretos com laranja. Cheguei a vê-lo com trajos misturando riscas e bolinhas que, para palhaço, só lhe faltava mesmo a bolinha vermelha no nariz. Os palhaços deveriam envergonhar-se da sua desajeitada figura. Nos pés, uns sapatos tão bicudos que feririam quem passasse perto. A roupa que usava era tão antiga que não era nem deste século, nem do anterior, mas do outro antes. Quando ia para um evento social, achava que vestia a sua melhor roupa, mas acabava por se sentir mal quando se comparava com os outros naquela sua confrangedora e ridícula figura. Coitado, pobre homem. Como se não bastasse, a sua proeminente barriga também não ajudava nada, e a sua magreza realçava-a ainda mais. As mãos, quando apertadas num cumprimento até lhe magoavam o braço. Frágil, desaparecia na sua figura desactualizada e fora de contexto. Sentia-se assim mais triste, reduzido à sua mais humilde condição e insignificância. Tive pena dele porque ele bem queria parecer bonito, ser figurão, mas não passava de um sem-abrigo sem um amigo. Apenas eu.

Carlos Alberto

 

PS: Aconteceram, nalguns textos, ligeiras alterações sobre os originais, algumas muito pontuais, por forma a fazer alguma correcção gramatical, dar mais ênfase ao assunto tratado ou não ferir susceptibilidades literárias.

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