QUERIDO PAI
A paixão pode surgir-nos e manifestar-se das mais diversas formas. E o amor, sempre o amor está presente, mesmo que as circunstâncias sejam díspares.
E hoje que foi um dia muito especial para mim, já era, no entanto, desde há muitos anos atrás e por razões bem mais dolorosas e diferentes.
Fatalmente, nesta data, há trinta anos atrás, meu Pai descia à terra.
E ainda me lembro dele, do seu rosto de sofrimento, daqueles seus olhos verdes lindos a olhar para dentro, enquanto se agarrava às grades da cama, no hospital, nos seus últimos dias aqui connosco.
Depois recordo-me que brinquei com ele, deitado na sua carruagem de pinho, enquanto a noite nos preparava para a sua última viagem, dizendo-lhe que me parecia o Pai Natal, tal era o seu aspecto castiço com aquele algodão em volta do pescoço para esconder a sua doença.
Além de um poema, deixamos-lhe também um baralho de cartas para ele jogar com os amigos, como ele tanto gostava. Vi-o então a sorrir, com aquele olhar doce que tinha e disse-nos adeus.
Partiu, enfim, "desta para melhor", mas apenas fisicamente. Hoje ainda o sinto a olhar para mim, e a proteger-me. Pai galinha mesmo. Se juntarmos a isto o amor que a minha mãe também me dava, sinto-me cada vez mais vigiado por eles e não posso pôr o pé em ramo verde.
"Não vás por aí, vai por ali", estão sempre a dizer-me e a corrigir-me, ora um, ora outro, ainda hoje; grandes carraças, não me largam. "Já sou grande" tento dizer-lhes, mas eles é que mandam. "Eu sou uma autoridade" diz-me sempre ela, como frequentemente nos dizia quando nos repreendia das asneiras que fazíamos.
Aqui chegado, trinta anos depois, outros sorrisos, outro amor, outra paixão.
Subimos as escadas e o rio abraçou-nos, beijou-nos o rosto, acariciou-nos até à alma. Os barquitos lá em baixo, baloiçava-nos como um sonho e fomos rio acima, ofegantes, até nos perdermos na paixão da paisagem. O Cristo Rei olhava para nós, abençoando-nos, primeiro, mas depois, com vergonha, acabámos, no cimo das escadas, escondidos por detrás do arvoredo, longe do seu olhar para consumarmos aquilo que era o nosso desejo, apenas com o Universo como testemunha, mas sem nada que o escandalizasse. Será apenas um beijo um pecado?
De mãos dadas, selámos esse desejo e que, daqui a trinta anos, apoiados em bengalas, voz trémula e meio desengonçados voltaríamos ali juntos, não para subirmos, mas para descermos, aqueles que foram e serão para todo o sempre os nossos degraus de paixão.
O amor é lindo, não é? Agora só falta ser verdade tudo.
CA
Que linda e emocionante tua homenagem ao teu pai.Saudades muitas e sempre,não? E como são doces tuas lembranças! abraços,chica
ResponderExcluirObrigado Chica. Sim, tive uns pais excepcionais que ainda hoje me marcam. E adoro senti-los sempre presentes na minha vida. Depois de os perdermos tudo tem um sentido diferente. É o mesmo quando nos nasce um filho, a nossa vida muda totalmente.
ResponderExcluirVi os seus céus no blog da Chica e vim conhece-lo. Curiosamente falei também sobre o meu pai no meu último post. Nossas doces lembranças deles nunca se esgotam, não é mesmo?
ResponderExcluirAbraço!
www.minasdemim.blogspot.com
Obrigado Jussara por ter passado por aqui. Achei interessante a coincidência e já fui bisbilhotar o seu blog. Fiquei atónito.
ResponderExcluirPalavras que nos tocam, nos fazem pensar ... e refletir ...palavras que não saem só das tuas cordas vocais
ResponderExcluirmas que vêm de dentro do teu coração e da tua alma!
Gostei de poder "estar" neste teu momento tão especial!
Um beijo.
Bea
Obrigado Bea pelo teu comentário.
ResponderExcluirSim, é verdade, nada do que sou é fruto do acaso, nem falo por falar, ou escrevo só porque escrevo. Eu sou muito pelo que sinto e só sei expressar-me com os sentimentos. E tudo o que escrevo e digo me sai da "alma".
Às vezes ganho, outras vezes perco, mas eu não vou mudar a minha forma de ser.
Caramba...tão profundo. Faz cair a lágrima.
ResponderExcluirAbraço
Obrigado, Maria do Sol. Sê bem vinda. Pai, é pai, amor é amor. E o amor tem destas coisas.
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