PÍNCAROS DA EUROPA - CAP VI

Eis, finalmente, o capítulo final da saga aos Píncaros da Europa, no norte de Espanha, efectuada em Agosto de 2012. Espero que gostem.


CAPÍTULO VI

Cidade de León, 9 de Agosto de 2012

São 08:25h e estou já dentro do autocarro que me levará até Lisboa. Arrumadas as malas, pela última vez, aguardo pela partida enquanto se espera por uns retardatários. Sentimos no espírito um certo sentimento de nostalgia que tentamos gerir com naturalidade.

Deixei para trás o Hotel Conde Luna, aqui no centro, onde dormi muito bem. Muito bem mesmo: tranquilo, desafogado, sem pesadelos, sem dores de cabeça e quaisquer sintomas de claustrofobia. Excelente quarto, na despedida.

Ontem deitei-me tarde (já esta madrugada: eram quase duas da manhã) e não me lembro de nada do que aconteceu depois de ter repousado a cabeça na almofada. Recordo-me apenas de me ter deitado, com o comando da televisão ter ligado a TV, a ter temporizado para trinta minutos e, a partir daí, como recebendo um analgésico, ter profundamente rumado a um lugar bem longe dali, dentro do meu inconsciente anestesiado.

O cansaço do dia de ontem não me deu tréguas e caí que nem uma pedra; como um anjo: adormeci voando num sonho de que não me lembro.

Hoje levantei-me, como toda a gente, às sete e trinta, na hora do despertar do grupo. Faltavam, no entanto, cinco minutos para essa hora quando acordei sobressaltado com um salto da cama, como se estivesse atrasado. Aliviado, percebi que tinha ainda algum tempo para saborear os lençóis aconchegantes que me abraçavam e o silêncio da manhã, mas rompida logo depois pelo telintar do telefone.  

Preparei-me e desci para o piso “P” para tomar um excelente pequeno-almoço. Contudo, como se estivesse zangado com todo o mundo, acabei por tomá-lo sozinho numa sala contígua, fora da área das mesas reservadas para o grupo. Senti-me, inexplicavelmente desorientado, como se não tivesse ainda acordado de uma estranha letargia. Infringidas as regras, apeteceu-me, no entanto, levar até ao fim a minha obstinação: tornei como natural a minha insolência, deixei confusos alguns companheiros de viagem que se cruzaram comigo sem perceber a minha irreverência e só emergi do meu ego depois de consolada aquela parte depois do esófago.

Porque a nossa sala ficava depois da zona do buffet, - onde me instalei - e que era a zona de entrada e passagem dos utentes vindos do hall dos elevadores, isso baralhou um pouco aqueles que chegaram depois de mim. Aos hesitantes, – da minha zona VIP – fui-lhes indicando para aonde se deviam dirigir.

As pessoas do grupo começaram a chegar, estão já a acomodar-se nos seus lugares habituais; o motorista do autocarro ligou a ignição, o motor começou a trabalhar e vamos arrancar daqui dentro de minutos para a nossa última viagem… aqui por terras de Espanha.

Será a viagem de regresso, a mais difícil, como alguém acabou de dizer em voz alta, porque também vai ser longa até lisboa.

Ainda no hotel cruzei-me com uma das “algarvias” que vinha a entrar para tomar o pequeno-almoço. Só agora? Perguntei. Atrasei-me, disse ela. E acrescentou: estive a pensar nas suas palavras de ontem no café. Estranha resposta. Intrigante mesmo para mim, pelo facto de alguém ter ficado a pensar no que eu descontraidamente dissera na tertúlia descomprometida de uma noite de despedidas, como se tivesse dado importância ao que eu referi, aos meus pontos de vista (sempre discutíveis).

Mas que terei dito assim de tão relevante? Lembro-me de ter falado em coisas gerais e em particular do amor, do seu significado e do que pode representar na relação entre duas pessoas. Lembro-me de ter dito que não basta haver amor, não basta dizer que amamos, não basta dizer que temos a melhor pessoa do mundo ao nosso lado, não basta sequer mesmo prová-lo em atitudes, porque o amor é algo que nos transcende. Nesta altura justifiquei com as palavras da psicóloga Cláudia Morais no programa “A tarde é sua” da Fátima Lopes em que eu fui protagonista na TVI
 http://www.youtube.com/watch?v=aeHf0IN3NVo e
http://www.youtube.com/watch?v=zAhB6SEm6Cg 
onde aquela psicóloga refere assertivamente que no amor “nós escolhemos, mas também somos escolhidos”. E esta é que é a pura, dura e crua realidade.

São 08:38h e cá vamos nós. Acabámos de deixar a frente do hotel. Está mais um lindíssimo dia de sol e céu azul com o visor do termómetro a piscar os 19ºC. Daqui vamos em direcção a Salamanca onde chegaremos daqui a duas horas.

Ficámos a saber também que vem aí uma onda de calor do sul pelo que temos pela frente um dia bastante quente. Mas que importa o clima quando nos sentimos bem e felizes usufruindo de algo tão bom como a disponibilidade de umas férias, algures pelo norte de Espanha?

Estamos na Autovia E-66 sem nenhum trânsito na estrada. Deixámos para trás as serras, o verde, a altitude e rolamos tranquilos com a nostalgia “de quem vem da festa”. A paisagem é plana, muito plana mesmo, a perder de vista, quer para um lado quer para o outro. É o amarelo que predomina. As colheitas de milho devem ter sido feitas e há grandes áreas completamente despidas sem nada cultivado ou, pelo menos, crescido. Vê-se aqui e ali campos de girassóis e zonas de pasto verde. É a paisagem típica do sul, sem a beleza que encontrámos para lá das serras e de León.

Agora é tempo de descermos à terra, à nossa condição humana consciente, tempo de encararmos a realidade do que somos porque o tempo do sonho acabou e ficou para trás, a florir para outras memórias.

Para a maioria dos que aqui vão este terá sido apenas mais um passeio, um tempo de descontração, de descoberta do prazer que uma viagem proporciona; uma forma de compensação pelo labor de um ano inteiro de trabalho. Será o regresso às suas vidas normais e da qual gostam e amam. Será o retorno ao conforto das suas casas, ao seu habitat do qual nem sequer abdicam por muito tempo, ou mesmo o reencontro consigo mesmos. Para mim, no entanto, a pensar nisso e nesta perspectiva, acabo por sentir-me um pouco deprimido e frustrado porque eu vou voltar às minhas humildes origens, sem o conforto que tive em outros tempos e, pior que isso, à minha triste e vazia vida de desempregado. Mas é vazia porque sou uma pessoa vazia.

Aqui há gente ciosa de ter amizades, de conviver, pessoas que buscam a felicidade em cada momento e que procuram aproveitá-la, que se integram e que aproveitam essa possibilidade, que exploram as oportunidades e, com elas, tiram ao máximo partido da vida que assim as preenche. E eu, onde é que estou?

09:40h na N-630 para Zamora. 20ºC. A paisagem não mudou muito. Planícies de um lado e de outro, ainda a perder de vista. Vêem-se algumas árvores de pequeno porte, muito certinhas no alinhamento por terem sido plantadas. Entrámos agora numa povoaçãozinha de casas muito velhas, mas não consegui ver o nome. Era tão pequena que quando dei por mim já tínhamos saído… Mais outra, muito rural, de casas rasteiras escuras e velhas. Villaveza, o nome desta, sem qualquer interesse que não seja agora unicamente situar-me no espaço e no tempo. Passei por aqui.

E aqui vou sentado no fim do autocarro dominando com a vista toda a gente que vai tranquilamente perfilada à minha frente e de costas para mim. Ninguém se levanta, ninguém faz barulho, vão todos muito sossegados e caladinhos. Cada um ordeiramente sentado no seu lugar, como de resto aconteceu em toda a viagem, sem ninguém a sobressair ou em qualquer manifestação de improviso. Apenas se ouve agora uma música de cariz espanhol, mas quase imperceptível.

Eu, viajando aqui atrás, fui sempre saltitando de lugar em lugar dominando estes nove assentos disponíveis e que praticamente fui ocupando, ora para desfrutar melhor da paisagem, para tirar fotos, ora para me refugiar do sol. Por causa desta mobilidade foi-me possível também tirar centenas de fotos, mas estou a preparar-me para só aproveitar metade. De facto, ou por não terem ficado bem, ou porque a máquina é boa e eu não sei lidar com ela, irão ficar algumas, com certeza, pelo caminho…

Estamos a 75 km de Salamanca na Autovia Estrada de Prata. A paisagem, idem, idem, planície e mais planície. E vou aqui a pensar com meus botões sobre o quanto efémeras são as sensações.

Conheci aqui pessoas nesta viagem, mas é como se eu tivesse medo delas e não me sentisse confortável com a situação. Tenho receio de me aproximar, não sou capaz de ir mais além, nomeadamente, trocar contactos, cimentar uma qualquer amizade, fazer com que este momento se possa prolongar para além dele. Fico frustrado comigo mesmo e esta força que me afasta das pessoas não é mais do que o reflexo de um complexo de inferioridade latente que estupidamente me domina. Às vezes ajo como se pudesse voltar a ver as pessoas amanhã, e amanhã logo tratamos de nos conhecer melhor. Mas não haverá amanhã nesta viagem. A verdade é que tudo vai acabar hoje e estas três dezenas de pessoas farão amanhã parte de um passado e dificilmente voltarei a encontrá-las de novo. E, como disse, a amizade que se criou, o espírito de grupo, acabará aqui.

Ainda há o pretexto de se trocarem umas fotos, provavelmente endereços de email, mas reconheço que sou demasiado “atado” (ou desinteressado). Fica-me sempre a sensação de que não vale a pena lutar pelas pessoas porque quando elas me interessam não me vão responder àquilo que espero, além de que não sou a sua escolha e, por isso, afasto-me de forma reptícia, como se não tivesse sido importante na vida delas.

São estes os meus devaneios interiores, juízos perdidos e realçados neste emaranhado de ideias que de forma fugaz me vão assaltando o espírito. Sinto-me a chocar contra o balanço do autocarro enquanto me abandono ao encontro da explicação de que há sempre uma razão para tudo, mas que me é muito difícil de interpretar. Levanto os olhos desta página, olho para fora e verifico que Salamanca está a 35km quando são 10:25h e lá fora estão 22ºC.

São agora quase duas da tarde, hora espanhola e estão só 33ºC, o que é fantástico quando se está “à sombra” de um autocarro com um ar condicionado a resfriar-nos os calores.

Salamanca ficou para trás e deixou-me a sensação de ser uma cidade muito bonita, tipicamente espanhola e dentro daquele padrão intermédio de riqueza arquitectónica. A Catedral destaca-se como o monumento ex-libris da cidade, mas o que mais apreciei foi mesmo a subida que fiz de cento e oitenta degraus até à cúpula do Edifício da Universidade Pontífice. Dali avista-se uma paisagem soberba de toda a cidade e podemos desfrutar de uma beleza magnífica até vários quilómetros adiante.

Chegado a Salamanca, saí do autocarro e não me “colei” a ninguém. De máquina fotográfica em punho corri para a Plaza Mayor e derivei depois para as ruas contíguas que me levaram até à Catedral.

A Catedral de Salamanca é um edifício imponente, soberbo mesmo, com várias naves e capelas interiores dedicadas a vários Santos. Interiormente circula-se por detrás do Altar e é muito parecida, em disposição à Catedral de Oviedo, embora sem vitrais, mas aqui também se tem a vantagem de não se pagar para visitá-la.

Ao longo do meu solitário passeio acabei por cruzar-me com a amiga Líbia “das vacas” que também resolveu distanciar-se do grupo com o pretexto de que “amigo não empata amigo”. Foi com ela que subi às torres da Universidade e acabou por ser com ela que almocei num café da Plaza Mayor onde comi a gosto uns “pinchos” e bebi uma refrescante “caña”.

E aqui vamos nós rumo ao destino final. E, neste momento, não digo que foi uma viagem de sonho, no entanto, ainda estou a tempo de poder torná-la num sonho de viagem. Na verdade, depois de a terminar, ninguém sabe que reflexos terá e como será o dia de amanhã quando estivermos a olhar para trás e a ponderarmos sobre tudo o que vivemos e sentimos.

E tudo isto porque ainda antes de entrarmos no autocarro para fazermos este derradeiro trajecto de regresso, e num último devaneio pela cidade universitária, como que para inalarmos um resquício de fôlego dos ares de nuestros hermanos, fomos encontrar sentada numa das dezenas de esplanadas existentes, na tal Plaza Mayor, ao lado de um seu familiar, a senhora professora de gestão e, logo a seguir, a outra sua amiga e colega também professora e que cujos nomes são aqui neste relato “top secret” pelas razões já mencionadas.

Havia por ali muita gente, muita actividade turística e foi com um prazer enorme que as reencontrei, mas também não seria uma tarefa difícil visto que estávamos todos muito próximos do ponto de encontro para o definitivo regresso ao nosso transporte colectivo.

E foi então agradável e muito útil este nosso encontro porque, além dos sorrisos de satisfação que trocámos, trocaram-se cartões com contactos mútuos para envio de fotos e afloraram-se ideias para futuras viagens, quem sabe, no futuro… As minhas novas amigas que viajaram desde o Algarve, uma delas na companhia do pai, mostraram-se muito disponíveis e muito habituadas a estas andanças.

Assim, no rescaldo desta aventura, acabam por sobressair estas novas três amigas, sendo que, a Líbia “das vacas” me pareceu uma mulher a quem ninguém engana, muito autoritária, autónoma e decidida e com quem não se consegue fazer farinha. Mora em Cascais e embora viva sozinha tem um namorado, mas com quem não partilha a casa. O epíteto “das vacas” advém da sua “tara” por objectos que simbolizem vacas, desde peluches de vários tamanhos feitios, a porta-chaves, passando por peças em loiça, aventais, ou autocolantes, artigos que não resiste em não comprar, se os vê numa loja ou em exposição. Ela diz que não se considera uma “acumuladora”, mas manifestou e presenciei, em diversas circunstâncias, todos os indícios sintomáticos dessa tendência de colecionadora de vacas.

Quanto às incógnitas professoras, uma delas viajou com o pai: um homem de estatura média, seco e muito rijo, com mais de oitenta anos que não transparecia a idade. Às refeições, cheio de apetite, vi-o a comer muito bem, em quantidade, mais do dobro do que eu, por exemplo. Com uma energia para dar e vender, nos percursos a pé nunca ficou para trás e manifestou sempre muita determinação estando sempre na linha da frente. Em todos os momentos, pelo que me deu a perceber, nunca se furtou na provecta idade e só mesmo à noite se retirava para descansar.

A professora de comunicação mostrou-se mais activa, ao nível da Líbia. Mulher de peso, fugia às escadas nas caminhadas, escondia-se atrás de uns óculos escuros, mas foi extremamente participativa nos diálogos, ao contrário da colega de gestão que preferia ficar na qualidade de observadora.

Em suma, tudo mulheres fora ou saídas de relações fracassadas, de idades a rondar as bodas de prata e para quem os homens são dispensáveis, embora possam ser importantes ou necessários nas suas vidas, meio ou totalmente solitárias.

São agora 14:35h e estão 35ºC lá fora quando estamos a cem quilómetros da fronteira. Neste momento e como sempre acontece nestas viagens, está a passar no ecrã do autocarro um filme publicitário sobre as belezas de Espanha. Nestas, incluem-se imagens do que acabámos de ver por estes dias, assim como se promovem outros lugares e as paisagens mais bonitas e características deste país. 

São 15:20h e estão uns quentíssimos 35ºC. Chegámos a Fuentes de Oñoro, fronteira com o nosso país. Mas vamos mudar a hora e atrasar os relógios. Já vi Portugal num placard azul com estrelas à volta. Passámos a rotunda e aproximamo-nos de Vilar Formoso. Passámos a polícia de fronteira e cá estamos nós na nossa querida terrinha. Felizmente já não há aquele protocolo dos passaportes, abrir as malas, declarar mercadorias, perder uma hora em burocracias, além das chatices que às vezes acontecem nestas circunstâncias.

Tem alguma coisa a declarar?

E aqui estão as nossas casinhas brancas (uma azul para chatear), mas as cores na paisagem já são outras. A qualidade das estradas muda logo, percebe-se só de olhar e a bomba de gasolina, a portuguesa, a portuguesa… fechou! Pudera, a cem metros mais à frente custa menos vinte/trinta cêntimos por litro. Ninguém resiste.

Curioso e estranho é o facto de, com as temperaturas a arderem e a aquecerem as nossas paisagens por todo o lado, aquilo que constato, aqui chegado e como apontamento final, é que relativamente à nossa passagem por Espanha não vi por lá um único incêndio. Não vi matas ardidas, nem a arder, ao contrário do nosso país, infelizmente, em que isso não aconteceu. Em Espanha vi tudo verde, árvores imensas, vegetação o quanto baste e nem uma única fagulha, um único foco de incêndio ou área ardida. Pode ter sido coincidência, mas a verdade é que fizemos mais de mil quilómetros e não assistimos a nenhum cenário com esse flagelo ambiental. 

Também me congratulo pelo facto de não termos visto um único acidente grave - infelizmente outro drama social - e apenas aqui em Vilar Formoso, no início da nossa viagem, na saída para Espanha e já no lado espanhol, vi um BMW de matrícula portuguesa com a frente meio destruída, consequência de um choque, provavelmente na pressa de chegar.   

Portanto, estou muito feliz porque correu tudo muito bem. Estive numa viagem agradável e muito proveitosa, incluído num grupo de pessoas cumpridoras e que seguiram à risca as regras e horários da organização, gente certinha e educada, que não levantou quaisquer problemas logísticos. E neste tipo de circuitos, isto nem sempre acontece ou é possível. À parte do que aconteceu apenas em Covadonga, onde houve divergências, foi, no entanto, algo que foi sanado no momento e que acabou por ser irrelevante face a tudo o que vivemos e ao tempo que estivemos todos juntos.

Outro destaque desta viagem, e do qual me apercebi com agrado, prende-se com o termos percorrido largas centenas de quilómetros em Espanha, com estradas excelentes, extremamente bem traçadas e sinalização bastante adequada e legível. Todavia e apesar disso, as autopistas tinham ainda várias saídas que, em caso de qualquer engano, nos permitiriam fazer, sem problemas ou constrangimentos, a inversão de sentido e o respectivo retorno. Os automobilistas têm assim rotundas que ladeiam as saídas, que se contornam e permitem voltar para trás para se seguir para a estrada que se pretende. De facto, muito funcional.

Outro pequeno detalhe que faz toda a diferença do nosso país é que, mesmo com muito melhores estradas que nós, em Espanha só pagámos portagem em dois ou três locais. Aqui em Portugal pagam-se portagens em tudo o que são autoestradas e vias rápidas, (inicialmente chamadas de “Scut”, ironicamente sem custo para o utilizador), o que não se entende.

Dizia o guia que, como agora se paga em tudo o que são estradas, mas como não há portageiros, para os estrangeiros constitui um problema acrescido e gera imensas dificuldades de logística. Até há pouco não havia informação adequada, nem sequer para dizer que as estradas eram tributadas. Agora já colocaram grandes painéis de informação advertindo dessa nova regulamentação e os estrangeiros são obrigado a parar na primeira área de serviço e comprar o “serviço” de pagamento de portagens nas diversas autoestradas e “Scuts” nacionais portuguesas, para não serem penalizados.

Pessoalmente creio que não são com medidas destas que cativaremos aqueles que nos querem visitar. Para mim seria à partida uma dor de cabeça e motivo desencorajador para visitar um país estrangeiro, nomeadamente se fosse em Espanha. Mas os nossos governantes têm todos uma grande visão e saberão o que andam a fazer…

São agora 15:20h, hora portuguesa, e 35ºC na área de serviço da Guarda, nossa penúltima paragem para desentorpecer as articulações e oxigenar o cérebro. Paragem técnica, como o guia gosta de dizer.

Bebe-se uma água, come-se um gelado e aproveitamos para alinhavar compromissos para a chegada. A Líbia sugere um bife na Portugália, na Praça do Chile. A professora que está sozinha propõe que seja no Parque das Nações porque se está mais perto do rio. Há a sensação de que ninguém quer que o momento acabe e assim se prolongue o passeio, deixando para mais tarde a dificuldade do termos que dizer “adeus”.

Mas a vida é mesmo assim. Há uma hora em que tudo acaba e voltamos à nossa humilde realidade de um trivial quotidiano. Vão-se os sonhos, as ideias, as intenções e, como a vida, tudo nos foge por entre os dedos.

Mas estou certo de que há aqui no autocarro meia dúzia de pessoas de quem me quero despedir de forma especial e com quem partilhei momentos muito agradáveis. Outras há, no entanto, que nem sou capaz de as identificar como pertencendo ao grupo, tão despercebidas me passaram. Portanto, há aqui espaço para todos os sentimentos possíveis e que consigo “diferenciar” no momento das despedidas.

Neste momento já estamos no caminho da nossa última paragem e que será em Abrantes ou Santarém, segundo nos informa ao microfone o Rui. E depois do filme promocional sobre Espanha que nos mostrou o quanto nobre é aquela terra remetendo o nosso país para um recato canto (onde de resto já estamos na europa), passa agora um filme zen, provavelmente para não pensarmos demasiado na chegada que se avizinha e nos frustrarmos com isso.

São 18:10h de uma tarde muito quente quer lá fora onde estão 36ºC, como aqui dentro com uma temperatura que nos vem da alma e nos aquece o espírito. Mensagens telegráficas que percorrem o autocarro desde o primeiro lugar até ao último onde me encontro e nos incitam à descoberta. Chegámos à área de serviço de Santarém.

”Aquilo que um homem sonha, realiza-se”, disse-me a minha amiga professora que viaja com o pai. E neste sentido, este relato de viagem exulta muito quer da paixão pela escrita, quer dos sonhos que vamos construindo.

Assim, as palavras percorrem recônditos labirintos onde nos cruzamos com fantasmas ou bruxas, príncipes ou piratas; percorremos mares longínquos e profundos nunca antes navegados ou calcorreamos caminhos onde nos surgem castelos com torres altas, mesmo muito altas, com princesas dentro que pedem para ser salvas.

Pela frente mundos desconhecidos à conquista. Palavras ditas se calhar, sem sentido, perdidas e achadas no coração, algures. Palavras que se assumem aqui e agora, nestas andanças de contornos indefinidos, indiscritíveis até, integradas numa componente de cumplicidade onde as amizades se realizam, concretizam ou crescem, conforme se verá. Mas as palavras não ficarão apenas nesta aventura. Irão mundo fora.

Aqui cabe também uma palavra muito especial a Luís Filipe de Abreu cuja amizade me concedeu e tive o privilégio de conhecer nesta viagem. É a ele, essa ilustre e hirta figura de cabelo e barbas brancas, porte erecto, simpático e seguro a quem devo este meu trabalho internauta.

Numa primeira ideia este relato teria apenas um carácter caseiro e não passaria do manuscrito. Todavia, LFA pediu-me para quando o tivesse terminado lho enviasse, se eu assim o entendesse, ao que respondi anuindo, com reconhecimento, ao pedido.

É pois um desafio que assumo com muito gosto, mas com responsabilidades acrescidas face ao(s) destinatário(s). É que, além de Luís Filipe de Abreu, sua esposa, uma fervorosa e dilecta admiradora de Eça de Queirós, esse vulto maior da literatura portuguesa, que já não me perdoou por não ter lido ainda “Os Maias”, mais depressa me ignorará, certamente, quando tiver nas suas mãos esta minha pequena obra. Embora sem querer ter pretensões a obra literária, mas apenas de que se trate de um relato e de uma perspectiva de viagem, espero que na sua leitura se identifiquem com ela e que seja, pelo menos, do agrado daqueles que comigo a partilharam.

Obrigado. Até à próxima!

Carlos Alberto


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